19 setembro 2007

Ainda, o Novo Código Penal

É sempre com interesse que acompanho as intervenções públicas de José António Barreiros, distinto advogado português, e que tem a particularidade de manter, pasmem, 10 Blogs. (ex: “A revolta das palavras”)

Hoje, JAB, esteve nos estúdios da SIC Noticias, tendo como pano de fundo as alterações introduzidas ao novo Código Penal. O convidado, começa logo por referir que “é de estranhar a presa com que foi posto em vigor este novo código, ainda mais estendendo-se aos processos pendentes.” Acrescenta que esteve presente na última alteração ao CP, a de 1987, e que na altura foram mais prudentes com a entrada em vigor das novas Normas, e que tais alterações só teriam validade para os novos processos.

JAB, concorda com as palavras de Manuel da Costa Andrade – Professor Catedrático de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – FDUC, que olha para as alterações ao CP como tendo sido “muito inspiradas no caso Casa Pia”. Mas, vai ainda mais longe, e dá como exemplo concreto um determinado artigo que, com a “simples” introdução de; “, salvo se for praticado sobre a mesma pessoa.”, faz com que, o que anteriormente eram considerados vários crimes, por serem actos reiterados, passem, agora, a ser olhados como um único crime, diminuindo, ao que parece, a pena de prisão a aplicar.

Ora, JAB, sem “papas na língua”, adianta que esta alteração específica, retira a reiteração dos crimes de abuso sexual, eventualmente, praticados pelos arguidos do caso “Casa Pia”, sobre cada vítima. Na prática, isto quer dizer que, á luz do novo CP, um individuo indiciado de um único acto considerado crime de abuso sexual, possa vir a ser punido com uma pena igual, ou muito semelhante, á de um arguido que pratique idêntico crime, mas várias vezes em ocasiões distintas, tornando-o num crime reiterado, o que na prática se traduz numa reiterada violência e trauma sobre a vítima.
Parece-me claro que é, ainda, mais cruel, logo, mais censurável, logo, merecedor de agravante e sujeito a maior punição.

O adjectivo utilizado pelo citado para definir tal promiscuidade e, a haver intenção, aberrante e criminosa intromissão de interesses político-partidários na justiça foi, “escandaloso”. Será isso, no mínimo!

À pergunta da jornalista, “Mas o PS já veio dizer que andar, agora, com alterações á Lei, é brincar ás Leis, o que lhe parece?”.
JAB responde, “É brincar ás Leis ou brincar com o país. Escolham!”

Quem fala assim não é gago!

12 comentários:

Rui Rebelo Gamboa disse...

Bem, antes de mais eu preciso dizer que não sou especialista nesta área, por isso comento enquanto leigo, apenas.

Parece-me que havia, até agora, um excesso do uso da prisão preventiva, que fazia com que as prisões estivessem sobrelotadas. No entanto, parece-me que a motivação para alterar essa situação não será tanto um melhor funcionamento do sistema correccional, mas sim o simples corte nos gastos da máquina estatal. Se assim for, começa logo por estar mal.

Já vi e ouvi tb vários especialistas a darem exemplos concretos do que poderá (e está) acontecer com este novo Código, mas os exemplos que dás são mais graves que todos que ouvi. Se de facto a motivação é partidária, tendo por base o caso casa pia, então é uma falha grave.

Ouvi um especialista dizer que, em caso de alguém ser apanhado em flagrante delito, não terá prisão preventiva. Segundo esse especalista, num caso de voilência doméstica, esse factor poderá ter implicações gravíssimas, como se pode bem perceber.

Mas o principal problema é mesmo a fase de transição não ter sido acautelada.

Anónimo disse...

É pena, Rui, que a comunicação social se esteja a focar, quase exclusivamente, nas alterações introduzidas no CP em relação ao novo regime de Prisão Preventiva, pois outras alterações houve (como a do artigo, creio que 30, do CP, que JAB dá como exemplo) que são igualmente graves.

Tu referes outro exemplo que, a ter repercusões nos casos de violência doméstica, representam um duro revés nos esforços que têm vindo a ser feitos na punição e prevenção deste tipo de crimes, que me parecem terceiro-mundistas.

Eu aprecio homens que falam claro, sem subterfugios, e JAB é um destes homens, que não tem receio em revelar os podres, desde que tenha fundamento para tal critica.(gostaria de relembrar que JAB chegou a ser defensor das vítimas da casa pia no processo que corre)

Seria mais prudente e muito mais lógico, que as alterações actuais só tivessem validade para os novos processos, pois os que já correm têm de ser todos reavaliados, á luz das novas Normas, criando o tal caus que se prevê.

A Justiça tem demasiado peso e importâmncia na regulação social, que não pode ser alvo de alterações que têm como base um determinado processo, pois assim o legislador corre o risco de se focar nesse caso concreto, descurando outras possiveis situações, o que gera tremendas injustiças.

E concordo plenamente com JAB, quando afirma que; "é brincar ás leis ou brincar com o país.", pois é na prática que se sentem as dificuldades e falhas, que, em teoria, não surgiram nem foram previstas.

É bom que existam homens capazes de dizer o que todos pensam, mas que poucos ousam dizer em público.

Anónimo disse...

por exemplo, o Legislador teria mostrado mais prudência se, no caso de um preso que se encontrava a aguardar julgamento em prisão preventiva e que, depois de julgado foi condenado a uma pena efectiva de prisão, mantivesse esse individuo encarcerado, enquanto aguarda um possível recurso para uma instância superior.

Assim, um arguido depois de condenado em primeira instância, recorrendo, continua em liberdade.

Se for como a Fátinha de Felgueiras, ainda foge para o Brasil.......

Rui Rebelo Gamboa disse...

Como te digo, a intenção que vejo neste tipo de reforma é o simples corte na despesa pública, não será tanto o uma reforma inspirada uma qualquer ideal de esquerda.

É inadmíssivel que a única forma de manter em prisão preventiva um tipo que seja apanhado em flagrante delito seja o perigo de fuga.

SS disse...

Em relação à previsão de que estas alterações foram inspiradas no processo casa pia, parece-me óbvio. Alguma vez a legislação foi criada ou alterada senão em virtude do desenvolvimento da nossa sociedade? do surgimento de novas necessidades e dos contornos em que nos relacionamos e as inúmeras situações que se desenvolvem? normalíssimo, digo eu.
Quanto àquilo que diz ali o rui de se ser apanhado em flagrante delito e em virtude das novas alterações não se ir para prisão preventiva, é preciso ter cuidado com as informações dos media. o facto de se ser apanhado em flagrante delito nunca foi um pressuposto de aplicação da prisão preventiva, mas sim de detenção. A detenção difere da PP, pois só pode prolongar-se por 48 horas até o arguido ser presente a um juíz e, eventualmente, ser-lhe decretada uma medida de coação. Os pressupostos de aplicação da prisão preventiva são outros e têm que ver com a natureza do crime e a pena que abstractamente poderia ser aplicada. no código anterior eram 3 anos, agora aumentou-se esse limite para 5, ou seja só quando a pena aplicável ao crime alegadamente cometido for igual ou superior a 5 anos é que a PP pode ser aplicada (entre outros pressupostos).
Não estou por dentro das alterações efectuadas, mas esta história do concurso de crimes não me parece que tenha sido tocada, pelo simples facto de se encontrar no código penal e não no código de processo penal que foi agora alterado.
por último, em relação ao que diz o pedro acerca de o preso preventivo condenado poder manter a prisão até decisão de recurso, em teoria até concordo, o problema é que o legislador jamais poderia ter contemplado essa situação, uma vez que a presunção de inocência prevista na nossa constituição mantém-se até trânsito em julgado de uma decisão de condenação (ou seja até que se esgotem todas as possibilidades de recurso). Assim, seria necessário mexer também na nossa constituição.

...ui isto já vai longo. desculpem-me.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Não vai nada longe, sb, nós prezamos muito opiniões de quem (ao que parece) tem formação na área.

E perdoa-me a incorrecção, mas salvaguardei no início que era um simples leigo na matéria. Limitei-me a transcrever aquilo que ouvi nos média. Não tenho a capacidade (nesta área) de filtrar a informação de forma conveniente. :(

Anónimo disse...

Cara SB, vi algures num comentário seu, que foi aluna de MRS, por isso deduzo que a sua área seja o Direito. A minha são as ciências sociais, logo considero-a mais habilitada para opinar sobre as alterações ao CP.

É da discussão que nasce a luz.

Seguramente que as mudanças se produzem á medida das necessidades e falhas que se vão pondo a nú, com a passagem á prática daquilo que foi pensado. TB não questiono que o processo "casa pia" seja uma das fontes para as alterações propostas á Lei, mas o que me parece escandaloso é que seja - a avaliar pelas palavras dos dois juristas que refiro no post -, quase exclusivamente inspirado no processo casa pia, e com tanta pressa em pô-lo em vigor, até parece querer "apanhá-lo" a tempo dos arguidos "aproveitarem" as benéces que terão á custa do tal acrescento no art. 30. Isto, se forem condenado, claro.

Já que falo da presunção de inocência, aproveito para dizer que a questão do "trânsito em julgado", será talvez aquilo a que se refere a SB. Pois terá seguramente razão, mas quem é condenado em primeira instância, já não me parece bem, ser considerado "presumivél inocente", mas antes, "presumivél culpado", daí eu defender que se deva acautelar essa questão, pois o recurso pode ser aproveitado por gente de "colarinho branco" para encetarem uma fuga depois de se verem condenados (em primeira instância ou até na relação, pois pode ainda recorrer-se para o supremo).

Rui Rebelo Gamboa disse...

Fará, de facto, algum sentido reformular o Código Penal, tendo por base os casos prácticos que aconteceram no país. A finalidade será, penso eu e corrijam-me se estiver enganado, precaver, ou seja para que no futuro acontecer algo semelhante, o Código já estar preparado e dar respostas adequadas.

Ora, parece-me que não foi isso que aconteceu neste caso. A base terá sido, de facto, o processo Casa Pia, mas as alterações introduzidas não foram para melhorar o Processo Penal, para casos semelhantes que aconteçam no futuro, antes pelo contrário, foi para piorar. A explicação será fácil, porque quem foi visado no pocesso Casa Pia, com as escutas telefónicas e afins, foram muitos políticos (presidente incluído), e quem é o legislador? São os mesmos políticos (depois haverá técnicos que transpõem as linhas-mestras para o Código), portanto parece-me evidente que a classe política tentou acautelar o seu próprio futuro. Mas ao fazê-lo está também a fazer com que violadores de crianças saiam beneficiados. Não nos podemos esquecer que um dos que saiu da prisão agora foi um violador de uma criança de 6 anos que sofria de uma grave deficiência.

Anónimo disse...

...Rui, esse caso que referes do jovem que foi condenado em primeira instância a 12 anos de prisão, por ter abusado sexualmente e ter provocado a morte de uma criança de 6 anos portado de deficiência, e que agora, por ter recorrido para o Tribunal da Relação, e com as novas regras introduzidas no CP, saí em liberdade para aguardar o resultado do Recurso.
Este é um dos casos que me indigna e que, pelo exposto, deveria ser "presumivel culpado", logo, haver uma excepção á Lei/regra, que possibilitasse que em casos semelhantes o arguido, já condenado (embora tenha recorrido, logo a pena não tenha transitado em julgado) pudesse aguardar o resultado do recurso em prisão "preventiva" (as aspas devem-se á condenação em primeira instâmncia)

SS disse...

Eu compreendo as vossas preocupações e a vossa revolta e em algumas coisas até concordo. Mas permitam-me fazer um pequeno reparo:

1 - O transito em julgado é um conceito tranversal em várias áreas do direito, logo não o reconduzam apenas ao crime. Um sentença de um qualquer tribunal só é efectiva quando se esgotam todas as possibilidades de recurso. Mexer neste conceito/processo seria uma asneira que eu nem consigo verbalizar.
2 - Não vejam as coisas apenas na perspectiva dos culpados, dos monstros, dos comedores de crianças e afins. Há presos preventivamente que não são condenados em julgamento e há condenados em 1ª instância que são inocentados em tribunal superior. Mais: o trânsito em julgado não é uma 'benece' apenas do réu/arguido, mas sim de todas as partes envolvidas no processo. Reparem que também os Autores ou assistentes podem recorrer de uma sentença com a qual não concordam.
3 - Quanto à presunção de inocência, como já havia dito, teria de se alterar a Constituição e duvivo que algum político tenha tomates para o fazer.
4 - NÃO ESQUECER que a prisão preventiva é apenas uma das várias medidas de coacção previstas no CPP e que, quando o juiz tiver a despachar no sentido da libertação de um arguido por ter já excedido o limite máximo da prisão preventiva, poderá aplicar outra menos gravosa como a pulseira electrónica e a prisão domiciliária.

BTW, essa maluquice da bjork, catpower, DCFC, entre outros vem de onde?

Rui Rebelo Gamboa disse...

...parece-me, enquanto leigo repito, que esta reformulação teve muito por base os envolvidos no processo Casa Pia e não o processo em si.

(sussurrando) essa música da bjork e cº foi sacada de um desses sites que se descarrega de forma pouco legal. Eu sei que é incoerente com o que ando aqui a dizer, but what can I say? ;)

Anónimo disse...

...seu ladrãozeco, digo eu! ;)

E, cuidado com o flagrante delito.