25 novembro 2007

"Olho por Olho, Dente por Dente"

Esta estória conta-se em poucas palavras, mas espelha bem – para nosso mal –, o quotidiano e ambiente que vigora em algumas escolas do país.

Via eu, enquanto lia os jornais deste sábado, o “eixo do mal”, na SIC Noticias, e dou por mim a visionar um pequeno vídeo de uma notícia que dava conta do seguinte:

Uma aluna de 15 anos relatava às câmaras que se encontrava no refeitório da sua escola, quando uma stora que passava fez um reparo a ela e ao seu grupo de amigas. A aluna terá respondido algo que desagradou à dita stora, e esta não foi de modas e “espetou-lhe” uma estalada.

Continuava a miúda; “A stora deu-me uma estalada, e eu virei-me à stora e também lhe dei uma estalada. Por isso vim parar à esquadra.”

Como a educação normalmente se trás de casa, eu logo percebi a segurança daquela criança – que contava perante as câmaras de TV com orgulho e firmeza o sucedido, e deixando cair, aqui e ali, um sorriso malicioso -, ao ouvir as palavras indignadas da sua mãe, exibindo, sem pudor, a sua fraca dentição. Dizia esta, “a minha filha só tem 15 anos, e foi trazida para a esquadra como uma criminosa. O que queriam? A stora espetou-lhe uma estalada e ela virou-se à stora! Fez muito bem!”.

Com tanta anuência e compreensão, os restantes stores desta menina de 15 anos que se preparem; ou dão boas notas, ou levam porrada!!!??! (da aluna ou da mãe)

Esta pequena peça terminava com a protagonista da estória – ainda usando os seus 15 min de fama –, afirmando com visível indignação; “agora vou apresentar queixa contra a stora.”

Moral da estória:
se esta amostragem for representativa, vem aí uma geração que venera a anarquia e despreza as regras e a normas, e tem como lema, “olho por olho, dente por dente”

4 comentários:

Blueminerva disse...

Permita que partilhe consigo um texto de Miguel Carvalho (colunista da revista Visão).


Criancinhas

«A criancinha quer Playstation. A gente dá.

A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.

A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.

A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o lado e ela incha.

A criancinha quer camisola adidas e ténis nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso ser diferente.

A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.

A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.

Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.

Desperta.

É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.

A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso. Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.

A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na mota, no popó e numas férias à maneira.

A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independência meramente informal. A rebeldia é de trazer por casa. Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são «uma seca».

Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, fica traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal. Em casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filho sou eu».

A criancinha cresce. Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao menos não anda para aí a fazer porcarias».

Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha? Pois não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo. E então teremos muitos congressos e debates para nos entretermos.»

Rui Rebelo Gamboa disse...

Excelente retrato.

Qualquer professor dirá que já teve um episódio em que falou mais alto com um aluno, ou alertou os pais para um comportamento anormal do filho, e ouviu a já clássica resposta "quem educa o meu filho sou eu".

E Pedro, tb vi essa peça (ou peças, mãe e filha) e juro-te que ainda fiquei algum tempo a ver se tinha sido verdade ou não. Há pouco tempo, ouvi a Ministra a dizer que é a própria escola que resolve esse tipo de problema, que não deve ir parar às esquadras ou tribunais. Talvez seja para não traumatizar a criancinha.

Sei que no meu tempo, os professores eram exigentes, incentivava-se a competitividade entre os alunos, para ver qual era o melhor e ouvia-se grandes raspanetes quando passavamos dos eixos. E ninguém ficou traumatizado, pelo menos ninguém que eu conheça.

Anónimo disse...

Cara Blueminerva,

excelente contributo o seu, com este texto de Miguel Carvalho da "Visão".

Não o conhecia, mas descreve, de maneira mais longa e explicada, o mesmo fenómeno de que eu dou conta neste post. Muito Bom.

E, Rui, é como dizes; a exigência e cumprimento das regras, nunca fizeram mal a ninguém. Antes pelo contrário.
A falta de bases sólidas, essa sim, pode levar a traumas.....ainda mais numa sociedade cada vez mais competitiva e exigente.

Anónimo disse...

Camarada, a "Anarquia", não deve, nem de raspão ser confundida com aquilo a que ssistimos."Anarquia", é outra coisa, na complexidade do modelo, deparamo-nos com causas e não com acasos, ou "acasionalidades", assim mesmo.
É colapso da democracia, tão só e é preciso coragem para o admitir e em dobro, para o praticar.Não centrar o caso em concreto na generalidade do problema. A fal~encia do modelo é directamente proporcional ao conjunto de interesses instalados.E promove-se a discussão, para fomentar a difusão. Há um único problema sobre a mesa, o fim do regime democrático, não confudindo tal facto com o fim das liberdades e garantias individuais, essas estão definitivamente condenadas pela representatividade. Camarada, sente-se representado por elementos como a mãe desta jovem, quando ela e os milhões iguais a ela vão votar, em liberdade.