15 junho 2008

Sim ao Tratado de Lisboa

O ‘não’ irlandês ao Tratado de Lisboa não foi assim tão surpreendente, já se sabia que num referendo desta natureza, tudo estaria em jogo, menos o Tratado de Lisboa. Pode ser visto como surpreendente apenas porque se há país que soube e bem aproveitar os benefícios de fazer parte da União, esse país foi a Irlanda. No entanto, compreende-se que os eleitores tenham votado ‘não’; nada mais fácil para os detractores da União Europeia, do que fazer campanha negativa, evidentemente que não falam do Tratado, nem tão pouco, da própria União Europeia, pois ficariam sem argumentos, usam, isso sim, a situação interna do país, afectada como todos os outros pela crise internaciona. E isso é, no mínimo, eticamente errado. Adiante, porque o tempo é de pensar no futuro.

O Tratado de Lisboa não é, de facto, de fácil compreensão, outra coisa não seria de esperar quando se está a negociar entre 27 Estados-membros. Mas o que traz o Tratado de Lisboa de novo à União? Em 1º lugar o lugar de Presidente, este é um dado muito importante para o funcionamento da União, acabaram-se as presidências rotativas, que muitas vezes são um obstáculo ao fluir da União. A presidência eslovena, que acaba agora o seu mandato, foi disso exemplo, uma nação recente com pouca experiência na área da diplomacia, pouco mais podia ter feito. Outra nova posição seria a do Alto Representante, que iria unir as funções que actualmente Solana e Ferrero-Waldner exercem. Novamente, esta é uma medida muito importante para que a União tenha uma única voz forte nas relações internacionais. Esta nova figura teria um papel de extrema importância para fazer projectar os nobres valores da EU no mundo, em áreas como o Ambiente, alterações climáticas, energia, migrações, etc.

Depois havia a Carta dos Direitos Fundamentais, que passaria a ser vinculativa a todos os Estados-membros. Havia também a iniciativa dos cidadãos, onde a Comissão seria obrigada a considerar qualquer proposta que tivesse sido assinada por um mínimo de um milhão de cidadãos.

Mais poder para os Parlamentos nacionais, por onde toda a legislação da EU teria de passar e onde os deputados teriam o direito de opinar sobre o assunto em questão. Mais poder para o Parlamento Europeu e redução no seu número de deputados. Com o Tratado de Lisboa, o PE passaria a ter o direito de co-decisão, com o Conselho em todas as áreas, ao contrário de actualmente. A redução do número de deputados seria também uma boa medida, no entanto para os Açores isso poderia significar a redução dos nossos representantes, seria uma boa altura para se voltar a falar num círculo açoreano. A Comissão também passaria a ser mais pequena, nem todos os países teriam o seu Comissário. Evidentemente, isto poderia querer dizer que Portugal deixasse de ter um Comissário, em certas alturas, mas seria em nome de um melhor funcionamento da EU, de combate à máquina burocrática que é cada vez maior, devido ao alargamento. São essas as grandes preocupações de quem é contra o Tratado, não são? Combater a burocracia, aproximar os cidadãos.

Por falar em democraticidade, a redistribuição do peso de voto de cada Estado-membro seria um passo na melhoria do deficit que há nesta área. Portugal, com os seus 10 milhões de habitantes, até nem sairia muito mal no acordo. Mas o preço para a melhoria do deficit democrático teria de passar por um acordo destes. Falar em unanimidade com 27 Estados-membros é um absurdo, com excepção apenas para áreas específicas como Defesa.

Foi a tudo isto que a Irlanda disse ‘não’, num referendo que jamais poderia ter tido lugar. O Plano B, prossegue dentro de momentos, e obrigatoriamente com as medidas do Tratado de Lisboa, a bem da Europa e de todos os Europeus.

3 comentários:

jacobino disse...

caro Rui,

não concordo quando diz que o Tratado passou ao lado das questões que levaram os irlandeses a votar não. sabe-se há muitos anos que os irlandeses são possivelmente o país que mais atenção presta às questões subjacentes aos referendos europeus. existem áreas em que os irlandeses são particularmente ciosos das suas prerrogativas.

Também em relação à questão de portugal não ter ficado mal: o peso de portugal nas votações baixou em termos percentuais, razão que levou a polónia e outros países a exigirem maior peso relativo, denunciando o directório que os três grandes pretendiam instituir.

também em relação à política externa, não é por haver um alto representante que passa a haver política externa comum ou coisa do género. a política externa dos países é sempre ditada pelos seus interesses, que nem sempre são comuns.

por último, o tratado, ao contrário do que o Sarkozy disse, é igual ao projecto de constituição (um hino e uma bandeira a menos não mudam nada, a não ser para os "eurófilos"). é sabido que qualquer constituição tem de ser precedida de uma assembleia constituinte.
para os açores, apesar de os governantes estarem em júbilo, o tratado é péssimo, em virtude de acabar definitivamente om a soberania sobre as 200 milhas

Rui Rebelo Gamboa disse...

Jacobino,

Acima de tudo, aquilo que levou os irlandeses a votar 'não' foi o receio de impostos altos, mensagem que foi habilmente passada. O que é manifestamente errado.

Mas é evidente que Portugal perdeu em termos de capacidade de voto, mas outra coisa não seria de esperar, quando temos uma realidade completamente diferente, com 27 países. É apenas normal para a verdade democrática, para uma mais justa representatividade. Ainda assim, acho que Portugal não fica muito mal. E quem usa este argumento, ao mesmo tempo que reclama maior democraticidade, está em contradição.

Como este meu blogue tem pouca expressão, posso fazer uma pequena inconfidencia: os funcionários da DG Relex ficarão (em termos pessoais e de progressão na carreira) contentes. Porquê? Porque a re-estruturação nas Relações Externas passará por incorporar, aos poucos, os funcionários dos Estados-membros. Quer isto dizer que a figura do Alto Representante, por si só, não quer dizer nada, mas a medida quer dizer uma perda por parte dos EM a favor da UE. E isso acabará por se reflectir numa UE a falar a uma só voz em termos externos, sendo o Alto Representante o testa de ferro.

Quanto à perda de soberania dos Açores, não tenho bem a certeza. Mas o que lhe posso dizer é que a perda das 200 milhas e outras perdas, são fruto de uma política inexistente dos Açores em relação à UE. Mas isso é outra história, sobre a qual já escrevi bastante, incorporar na REPER seria bom, mas uma representação independente seria o ideal. Seria um verdadeiro investimento, que traria frutos, seguramente.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Errara: onde se lê "os funcionários da DG Relex ficarão", deve-se ler, evidentemente "ficaram".

Os outros erros são fruto do teclado estrangeiro, poderia fazer um esforço, mas seria muito chato. Mas esta rectificação, não podia passar ;)