18 dezembro 2008

Marinho Pinto; Justiceiro ou Vilão?

António Marinho Pinto, (ainda) Bastonário da Ordem dos Advogados, defendeu por estes dias, num seminário em que participou, que os cidadãos que tenham de responder em tribunal, possam ter a liberdade de escolher o Juiz que vai os vai julgar. Para fazer uma analogia, aludiu à possibilidade que cada cidadão tem em “escolher o médico que quer.”

Quer-me parecer que o Senhor bastonário esqueceu-se, ou desconhece, como funciona o SNS - Serviço Nacional de Saúde. Se o visado soubesse que eu, há semelhança de milhares de portugueses, não consegue ter, sequer, um médico de familia - quanto mais poder escolher um -, talvez tivesse alterado a classe profissional alvo de comparação.
Se, por um lado, Marinho Pinto insurge-se (e bem) contra o facto da justiça portuguesa mandar para a cadeia os que roubam tostões, enquanto aqueles que roubam milhões ficam impunes, ou merecerem um tratamento benevolente. Por outro, parece não ter em conta o facto de serem exactamente os mais poderosos quem mais proveito poderá retirar desta proposta (de poder escolher o decisor do seu processo judicial).
Porquê? Bem, deixo ao imaginário de cada um….

Já na comparação que fez (relativa à escolha do médico), esqueceu-se do proletariado. Sim, porque só quem se pode dar ao luxo de escolher o seu médico assistente, são aqueles que podem pagar uma consulta no privado, ou recorrer a uma clínica, também ela privada. Os outros, limitam-se a ser atendidos pelo médico de família do Centro de Saúde da sua àrea de residência e, caso este veja necessidade, encaminha o paciente para uma consulta de uma qualquer especialidade clínica, no hospital mais próximo. Bem, para isso é preciso que tenha a sorte que eu, e milhares de portugueses, não têm, que é a de terem um médico de família, o tal do Centro de Saúde.
Outra questão a ter em conta, é a sobrelotação de uns em relação a outros. Por exemplo, não são raros os casos de médicos mais reputados terem as agendas dos seus consultórios preenchidas por dois meses, obrigando, quem tem mais pressa em conseguir uma consulta, a recorrer a um outro clínico. Mesmo quem paga consulta está sujeito a limitações ou impossibilidades de agenda. Estou seguro que, com os advogados mais requisitados ,se passará o mesmo. Por vezes, terão de recusar algum patrocínio por impossibilidade de agenda. Ou não?

E as agendas dos magistrados, como se resolverá essa questão?
Se com o número actual de juízes, não consegue a justiça ser mais célere, se for dada a liberdade ao arguido para escolher o seu sentenciador, corremos o risco de ter juízes com a secretária e a agenda vazias, enquanto que outros - os mais requisitados -, teriam uma sobrecarga de trabalho. Isto poderia conduzir, em última análise, a maiores delongas processuais.

O senhor Bastonário sabe seguramente que o cidadão que não tem rendimentos para pagar um advogado, recorre ao Apoio Judiciário (processo avaliado pela segurança Social). Se lhe for concedido este apoio Estatal (pagamento dos honorários do representante legal), o dito cidadão é encaminhado para a Ordem dos Advogados, que depois lhe atribui um advogado. Pois, mas os serviços da Ordem não concedem a liberdade a esse cidadão de escolher qual o seu representante legal, pois limitam-se a nomear um qualquer, sem atender à vontade desse mesmo cidadão. E se começasse por aqui, senhor Bastonário? Quais os constrangimentos?

Obviamente que esta minha (micro) análise é feita a cru, claramente sem a profundidade que merece o assunto. Mas foi assim, a cru, que Marinho Pinto apresentou esta proposta à opinião pública, pelo que eu, não sendo jurista nem dispondo de mais dados, acolho-a como qualquer cidadão nas mesmas condições. E, perante esta proposta, é esta a minha perplexidade.

São muitas as qualidades de Marinho Pinto, tais como o mérito de ser um defensor de causas justas, com elevado espírito cívico e humanista. Diz-se também "frontal" e sem "medo das “classes”.........será por isso que, mesmo dentro da Ordem que tutela, já foi alvo de processo disciplinar?... É certo que o homem abala consciências e mexe com interesses instalados. Mas também diz umas baboseiras, sendo por vezes despropositado, talvez por se deixar levar por uma impetuosidade exacerbada, que faz com que ultrapasse limites que não deviam ser beliscados, em especial desde que ocupa o cargo de Bastonário da Ordem dos Advogados.
Em suma, e respondendo à pergunta que dá título a este post; talvez Marinho Pinto seja, ao mesmo tempo, o justiceiro de uns e o vilão de outros.

1 comentário:

Anónimo disse...

Chamaram-me a atenção para seguinte;

M. Pinto, assim que iniciou funções como Bastonário, uma das iniciativas que tomou foi a de impedir que advogados estagiários fossem representar, sozinhos, clientes a tribunal. Os tais clientes ao abrigo do Apoio Judiciário a que me refiro no post.
Foi, sem dúvida, uma excelente medida. Um grande passo para uma defesa mais capacitada, logo, mais justa.
Fica mais esta nota.