19 setembro 2009

Os Açores reais, a SATA e a campanha eleitoral

O Presidente da SATA prometeu que o preço das ligações inter-ilhas baixaria cerca de 17%, recordando que a empresa por ele dirigida é constituída 100% por capitais públicos. Como se nós não soubéssemos! E já agora, lembro eu, é, ou melhor, deveria ser 100% de serviço público, exactamente aquilo que não é. Não o é nos horários, não o é nos serviços, não o é nos preços.

Não é preciso ser economista (e por isso corro o risco), para perceber que a SATA é um elefante branco a quem deram autorização para circular numa loja de porcelanas, sem a preocupação do caminho a escolher. Pode partir tudo que os ricos donos (ou seja, nós, os contribuintes) arcarão com a factura que no final lhes for apresentada, qualquer que seja a forma escolhida. A culpa não é deste ou de quaisquer outros Conselhos de Administração anteriores que, certamente, faz ou fizeram o melhor para a empresa. Não, a culpa reside no facto de o poder político querer fazer da SATA uma arma de arremesso, como se a afirmação da Região Autónoma dos Açores passasse por coisas tão comezinhas como esta.

Mais, se a SATA não existisse, pelo menos nos moldes como está objectivamente organizada e nos fins para que a remeteram (não para os que existe), não só poucos dariam pela sua falta como os Açores sairiam beneficiados.

Assim, de repente, como exemplo, lembro-me, desde logo, do turismo. Qualquer pessoa mais atenta dirá que inexiste qualquer política global, articulada e devidamente definida para o “turismo regional”. A expressão é suficientemente abstracta e opaca para que o Governo Regional a utilize sem pudor, sabendo-se que, dita assim, nada quer dizer.

Porém, como os comerciantes e os hoteleiros de qualquer ilha certamente confirmarão (os das Flores, ultimamente, em particular) não existe articulação entre organismos públicos e investidores privados para estabelecer uma qualquer meta de objectivos. Acha-se que meia dúzia de cruzeiros em trânsito justificam investimentos e são sinal de saúde turística. Pior, acham que isso é boa e suficiente política para o turismo.

Numa era de mundialização, o lema essencial cá da terra é “preservemos a natureza açoriana”, a física e a social. Como se preserva? Entre outros escolhos, afastando os turistas, principalmente os nacionais (porque são esbanjadores de dinheiro e porque o pé descalço estrangeiro tem consciência ecológica), ao praticarem-se preços absurdos nas ligações aéreas com o Continente, numa clara demonstração de que os responsáveis políticos não percebem que o turismo só se faz com pessoas e que este não é incompatível com preservação e, não menos importante, que a “natureza açoriana” não é a que lhes foi incutida em tempos idos.

Voltando à SATA, é inconcebível e incompreensível que a dita empresa que existe para prestar serviço público nos Açores, e é principescamente financiada para tal, venha vender passagens aéreas entre Lisboa e o Funchal a partir de €35 (TRINTA E CINCO EUROS), ou entre o Funchal e Paris, a partir de €131,91 (CENTO E TRINTA E UM EUROS E NOVENTA E UM CÊNTIMOS), continuando a cobrar cerca de €250 (DUZENTOS E CINQUENTA EUROS) nas ligações entre Ponta Delgada e Lisboa/Porto, acrescendo a tudo isto a compensação pelo dito serviço público.

Por tal preço, vamos, confortavelmente, de Lisboa a qualquer capital europeia passar o fim-de-semana, incluindo o hotel e as refeições.

A fatalidade disto é o monopólio, essa figura benfazeja, que existe, como disse, um dia, um secretário regional, para os açorianos saberem exactamente o que pagam. O problema(e a sua sorte), senhor secretário, é que não só eles não sabem, como o senhor sabe que não sabem e sabe que a maior parte deles, por incapacidade económica para viajar, não quer saber!

Em plena campanha eleitoral, ninguém fala da SATA, do preço dos bilhetes, da política de expansão e internacionalização que está para lá dos seus fins e que tem contribuído para o seu progressivo asfixiamento, exactamente naquilo em que alguns vêem o contrário.

O deputado Ricardo Rodrigues questionado sobre a matéria disse, e cito de cor, que o preço do bilhetes será e deverá continuar a ser o preço justo. Mas, qual é o preço justo?! O que é praticado para os açorianos por concessão, em monopólio, ou o que é praticado para os restantes, em mercado concorrencial?

Interessante seria, por exemplo, que no fim-de-semana das eleições a SATA contribuísse para a diminuição da abstenção, praticando os preços madeirenses, ou mesmo os das ligações Funchal–Canárias, para que os açorianos deslocados e recenseados na Região e para que os residentes nos Açores e recenseados no Continente pudessem exercer o seu direito de voto, mediante prova de recenseamento.

Além duma verdadeira prova de serviço público, escusavam de andar por aí a considerar o voto obrigatório.


Post Scriptum – Insultem-me na caixa de comentários, mas não invoquem a “Diáspora” como argumento justificativo para a existência duma companhia aérea regional, nestes moldes . Será pateticamente bacoco, face às agruras aéreas e financeiras que os emigrantes passam para conseguirem visitar a sua terra.

15 comentários:

Anónimo disse...

eita, corisco!

Pedro Lopes disse...

José,

grande texto....não só na dimensão, mas em especial na substância e importância da mensagem.

O lema para o surgimento da SATA internacional, foi o de que a TAP andava a praticar preços exorbitantes nas ligações com os Açores, aproveitando-se, justamente, do monopólio que detinha na altura. Dizia-se que a TAP tentava dar lucro à custa dos Açoreanos.

Pois bem, se a SATA não está a fazer exactamente o mesmo, então pergunto-me porque não desce, pelo menos para metade, o preço das passagens entre os Açores e o continente.?

Limita-se a fazer umas quantas ofertas de 10% dos lugares a preços de saldo....ou melhor, a preços justos.!!

E, como bem referes, este proteccionismo de que gozam SATA e TAP nas ligações aéreas entre Açores e continente, prejudica, e de que maneira, a afirmação do nosso turismo.

Quanto às questões ambientais e à preservação do nosso património ambiental - que é por todos elogiado -, as coisas já estiveram melhor. Não esquecer a eutrofização das lagoas de S. Miguel, o atentado ambiental na fajã do Calhau e do Araújo, a destruição das zonas de trufeira essenciais para a captação de águas pluviais, as imensas plantas infestantes que tamam conta das nossas paisagens e destroem as espécies endémicas, o desmatamento em massa a favor da monocultura da vaca, etc, etc.
Ou seja, os dividendos que poderíamos captar com mais turismo, poderiam ser canalizados a favor da preservação da nossa natureza, e ajudariam, seguramente, a fazer subir as taxas de ocupação hoteleira na Região e, por conseguinte, fomentar o emprego de mais gente qualificada.

Mas, meu caro amigo, há um homem que, "em plena campanha eleitoral", se tem fartado de falar na SATA e nos problemas que ela nos trás: é ele Artur Lima. E ele hoje, no programa semanal em que participa na rádio "Açores TSF", falou inclusivamente de "Diáspora".....mas não a que te referes no teu post sciptum, mas antes na bronca com o Airbus batizado com esse nome. :)

Este tema é, sem dúvida, assaz pertinente. Mas a SATA emprega muita gente....

Rui Rebelo Gamboa disse...

Numa era de "mundialização" ou globalização (o debate sobre a palavra fica para depois), não acredito que se afaste as pessoas. Acredito, no entanto, no lema " preservemos a natureza açoriana" e também não acho que os dois são incompatíveis.

Parece-me que uma descida de preços das passagens, para os turistas, note-se, traria uma massificação para a qual não estamos definitivamente prontos. Assim, acho que não existe efectivamente uma "política regional de turismo" existe, isso sim, esbanamento de dinheiro e despejo de cimento, acções bem centradas na política eleitoralista que mantem este governo no poder há tanto tempo.

Já no que diz respeito ao serviço a residentes nos Açores, aí é que a SATA deveria apontar as suas baterias e baixar os preços consideravelmente. A política da SATA está desajustada, porque ofende os açorianos. Compreendo que para operar noutras paragens tenha de fazer preços competitivos e que isso pode ser positivo para a própria SATA e, possivelmente, para os açorianos. O que se constata, porém, é que essa politica nao tem sido positiva para os açorianos, o facto de competir fora e estar a (espero eu) a fazer dinheiro, não tem servido para melhorar aquele que é o fim último da SATA, o serviço público aos Açorianos.

Em tese, acredito que serviço publico só deve existir quando não haja espaço para os privados operarem, ou seja o que não é rentável. Logo a SATA regional deve seguir sendo publica. Já o serviço com continente deveria ser totalmente aberto a outras companhias, mas apenas a partir do momento em que a tal politica regional de turismo estivesse garantida. Para se poder baixar os preços para todos e, mesmo assim, não haver massificação. Até lá, a unica hipotese, é a SATA inverter a sua politica e baixar os preços aos residentes nos Açores e compensar as possiveis perdas, operando noutras rotas. Se tal não é possivel, entao saia das outras rotas, pelo menos. É que nos sentimo-nos insultados com os preços praticados pela "nossa" companhia a outros, que não a pagam. É um autentico roubo.

A explicação para esta situação? O Pedro Lopes é curto e grosso no fim do seu comentário. Tá lá tudo, na ultima frase...

Passageiro Sem Escolha disse...

No relatório consolidado do Grupo SATA relativo a 2007 consta:

custos pessoal - €48.370.645,00 , isso mesmo mais de 48 mihões de euros para 1199(!)funcionários.

Parece que deu lucro. Parece.

Contribuinte Vítima de Roubo disse...

Cerca de 40 mil euros/ano por funcionário, portanto.

Uma média de ordenados de 2800/mes.

Isto além dos custos com as passagens grátis para funcionários e família.

É muito engraçado estarmos no aeroporto nos dias de partida e chegada do avião da SATA para Boston. Quase sempre vai cheinho que nem um ovo, mas é tudo SATINHAS e respectivas famílias.

Um sorvedouro...

Passageiro Sem Escolha disse...

O engraçado é no dito relatório, entre outras pérolas, é fazerem as contas relativas aos mais de 6 milhões de euros dados pelo serviço público a dividir por 600 mil lugares disponiveis para concluirem que só recebem 11 euros por passageiro. Brilhante!

Caseiro da Herdade do Tio Zé disse...

A nossa diáspora tem necessidade de uma companhia de "bandeira". Nem que fosse por derivar da extinção da SATA o fim dos snacks regionais servidos a bordos. Quem não se recorda de ser acordado bruscamente pelo hospedeiro para desfrutar daquele saboroso bolo de forno com torresmo regado com uma saúde de anis do Pico?
O José Gonçalves quer vender a SATA aos Cabrais e Braganças. Depois disso, snacks só bolicaos e capri sone (ou lá como se escreve)!

Caseiro da Herdade do Tio Zé (de volta das férias dedicadas ao estudo no Centro Pintor Dias Coelho, pintor materialista e vítima da incompreensão da sociedade, tal como o Kurt Cobain ou o Bob Marley)

Anónimo disse...

Antes com um Bragança a aliança do que com um César a governança.

Latifundiário patraão do caseiro da herdade do tio Zé disse...

Obviamente que o anónimo sou eu

Caseiro da Herdade do Tio Zé disse...

Pedro Lopes,
Por que foi pernicioso vender o Totta aos espanhóis? Por que é pernicioso os nossos bancos passarem a ser controlados por um fundo soberano angolano? Por que é pernicioso deixarmos de ter a SATA sob gestão regional?
Para todas as perguntas a mesma resposta: porque perdemos o centro de decisão.
E sem ele queria ver quem seria o Junot ou Wellington que nos iria meter bolos de torresmo e anis do Pico a meio da viagem ou ter nos serviços de vendas a bordo os bordados de Santo Antão e as fechaduras do Corvo.
Mesmo que isso não fosse bastante, quão saboroso é ligar para o “call center” da SATA e ouvir aquele sotaque da Ribeira Grande a pedir o código de reserva?
Vale ou não vale os 100 euros pagos a mais face a um serviço equivalente.

Caseiro da Herdade do Tio Zé

Caseiro da Herdade do Tio Zé disse...

falta a interrogação no fim, pá.

Latifundiário Patrão do Caseiro da Herdade do Tio Zé disse...

Junot?! Wellington?! Mas afinal não é a PRISA?! E a venda de perfumes a bordo? É ou não um sinal evidente da pujança internacional da companhia? E a retirada dos jornais aos utentes para pupar no peso que fazia consumir muito combustivel?! Isso sim, pá, é que é uma verdadeira estratégia demonstrativa de génio que leva a considerar a manutenção do centro de decisão na Região. Não é, pá?

Latifundiário Patrão do Caseiro da Herdade do Tio Zé disse...

Junot?! Wellington?! Mas afinal não é a PRISA?! E a venda de perfumes a bordo? É ou não um sinal evidente da pujança internacional da companhia? E a retirada dos jornais aos utentes para pupar no peso que fazia consumir muito combustivel?! Isso sim, pá, é que é uma verdadeira estratégia demonstrativa de génio que leva a considerar a manutenção do centro de decisão na Região. Não é, pá?

Anónimo disse...

Levam tão a sério a questão do peso que até tiraram rebites das asas do "Diáspora" para avoar mais depressa.

Revolução Sempre disse...

O Autor deve ser anti açoriano. Deve pensar que o João Jardim é que é bom
O Sócrates é amigo dos Açores e da" nossa Autonomia". Há-de ajudar-nos, pelo menos enquanto o César for nosso Governador.
A SATa para os Açorianos, as contas para os continentais