27 outubro 2011

Expulsar os Vendilhões do Templo

Há muito tempo que se fala em crise. É uma palavra recorrente no léxico noticioso português. No entanto, para a maioria a verdadeira crise ainda não se tinha feito sentir. Andámos aqui durante anos, décadas, mesmo, a empurrar os problemas para a frente. Em 2012 vamos finalmente começar a sentir os efeitos da crise, com cortes reais nos rendimentos e aumento generalizado de preços. Como já sabemos, o desemprego vai disparar e muitas empresas vão à falência. As vida real das pessoas vai ser fortemente afectada.

E porquê?

Do ponto de vista estritamente factual, os países mais afectados pela crise estão a pagar formas de governação irresponsável. Sobrecarregaram as despesas do Estado, em nome de interesses eleitoralistas e de proteccionismo partidário. Entrou-se numa espiral de gastos desmedidos e, pior, incentivou-se o novo-riquismo consumista na população. São estas a principais razões que estão, aliás, altamente comentadas e explicadas.

A verdade é que hoje, não só Portugal, mas vários países da Europa, e não só, estão enterrados numa dívida soberana que castra qualquer possibilidade de crescimento e que vai ser paga pelos cidadãos. No caso de Portugal, por exemplo, contraímos um enorme empréstimo à troyka porque de outra forma não teríamos capacidade de continuar a funcionar como país.

Acredito que fomos enganados, mas também nos deixamos enganar. Não com este empréstimo, em particular, mas com o crédito fácil, em geral. Todos nós, desde a família, à empresa, até ao Estado, sabíamos que a espiral de crédito teria de ser paga eventualmente, mas continuamos, porque decidimos enveredar pelo “depois há-de se ver”. Caímos em tentação. Nas sombras, alguém esfregava as mãos de contente ao assistir ao nosso irresponsável comportamento, na certeza que o “depois” chegaria e o pagamento seria com juros.

O “depois” é agora.

Que sociedade é esta? Estes empréstimos, o de Portugal e todos os outros, são pagos com juros. Alguém vai lucrar com a desgraça em que vamos cair a partir de agora. Vivemos num mundo em que pequeníssimas minorias, frias e maquiavélicas, fazem planos e longo prazo para explorar as fraquezas humanas de populações inteiras, em nome de lucros. Mas a História já nos mostrou, vezes sem conta, que as populações só permitem ser exploradas até certo ponto. Depois revoltam-se, tudo é destruído, cometem-se atrocidades inenarráveis e começa-se do zero. Cada vez mais, acredito nesta possibilidade.

Mas há que dar crédito a alguma classe política que tentou criar mecanismos para evitar a repetição destes abusos de fortes sobre fracos. Mas a globalização do poder económico, não foi acompanhada por uma globalização do poder político. Cada poder político está circunscrito às fronteiras de cada país. Na melhor das hipóteses existem casos como a UE, em que se tentou criar um poder político continental. Mas se nem na Europa conseguimos, haverá alguma hipótese de criar um poder político a nível mundial que possa regular, legislar e, a ser necessário, condenar? Não, porque o poder económico global divide para reinar, como se vê com as Merkel e os Sarkozy deste mundo.

Para se manter paz social, é necessário que as populações tenham os mínimos para vidas relativamente confortáveis. Mas hoje, no século XXI, com a internet, as lojas, as roupas, os carros, os telemóveis, as televisões, os móveis, as casas, os apartamentos, as consolas, os computadores, as viagens, etc., o mínimo sai caro.

Ou o poder económico cede, ou os indignados passam de marcha a revolta.

3 comentários:

Anónimo disse...

Grande malha. Mas que conclusão? Quem são os responsáveis? Os banqueiros, os mercados especulativos? À tempos uma reportagem no 60 minutos mostrava uma empresa que nem sabia que acçoes estava a comprar e avender, tinha apenas um mega computador a analisar os valores e a comprar e vender nos melhores momentos. Como parar? Um poder mundial, a ONU? O futuro é mesmo negro ou não.

Anónimo disse...

excelente texto. de uma lucidez incrivel. parece tudo tão óbvio, mas ninguém reflete seriamente sobre esta questão. é preciso ter consciencia de tuod o que esta aqui escrito para podermos avançar com passos seguros para evitar um futuro negro. este texto está muito bom!!! uma reflexão independente, sem demagogia. descomprometida e honesta!

Anónimo disse...

Interessante.

Ainda há uns dias, a culpa da crise era exclusiva de Sócrates, da ministra da edução e de outros tantos que integravam o governo de então. Como se fosse Sócrates e a sua equipa a governar a problemática Grécia, a falida Islandia e a decepcionada Irlanda.

Hoje "as culpas" já não são do governo.
São "nossas", de todos.