02 março 2012

Entre um jogo e a educação para a vida

A criança assistia ao jogo de futebol, juntamente com o pai. Perto do final, corta o silêncio e pergunta:

- Pai, o árbitro é amigo deles?
- Deles?!
- Sim, dos jogadores do Porto.
- Porquê?
- Está sempre a marcar faltas e mostrar cartões aos jogadores do Benfica e contra eles não.

O silêncio regressou à sala. Desarmado pela infantil constatação, o dilema instalou-se: mereceria, naquele preciso momento, aquela carinha já abalada pelo resultado ser-lhe confirmado que o homem não é naturalmente bom? Rapidamente, quase em surdina, o pai disse-lhe que constava que o árbitro até seria adepto do Benfica e que o erro é humano, pelo que as pessoas podem errar, mesmo sem querer, e que até o treinador do Benfica erra.

Olhou de soslaio para a descendência e, aliviado, notou a não reacção.

Eventualmente, na cabeça daquele pai terá passado a ideia de que, atenta a idade da criança, uma mentira piedosa seria a melhor saída e que talvez fosse boa ideia deixar o mundo dos adultos para mais tarde. O futuro ditará se a opção foi a melhor. E isso inquietou o pai mais do que o resultado. Porém, se é que alguma vez duvidou, o pai teve a certeza de que o mundo das crianças não é tão aparte da crua realidade como alguns teóricos da pedagogia gostam de fazer crer. Perante essa diferença, ficou mais descansado. O seu trabalho não estava a ser mau de todo.

A criança, depois do jogo, regressou às actividades próprias da idade e, após, foi-se deitar, chamando o pai para lhe aconchegar os lençóis.

Na quietude da casa, era agora tempo de o pai invectivar Rousseau. Em silêncio.

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