06 fevereiro 2013

Se for ilegal é uma droga, se for legal é um medicamento


Soube-se esta semana que a Polícia Judiciária efectuou amaior apreensão de droga de sempre nos Açores. Uma mulher foi interceptada no aeroporto de Ponta Delgada tendo na sua posse haxixe para quase 10 mil doses e heroína para cerca de 83 mil doses. Antes demais dizer que a referência a doses não nos diz absolutamente nada. Eu não faço a mínima ideia do que são 10 mil ou 100 mil doses. Se a PJ nos dissesse que apreendeu 1 ou 10 kilos, aí nós já ficávamos com uma ideia bastante mais clara das quantidades de que estamos a falar. Ainda para mais, a notícia refere que a droga estava com alto grau de pureza, o que nos leva a pensar que ainda iria ser misturada com outro produto qualquer. Ou seja, as tais 83 mil doses poderiam acabar em 100 mil? 150 mil? Não sabemos. Além disso, quanto custa uma dose? A PJ parte do princípio que nós andamos todos a comprar doses na rua e sabemos o preço? Eu não sei o que é uma dose, que quantidade tem, que preço custa, etc. Portanto, preferia uma informação um bocadinho mais detalhada.

Mas isto são minudências. A droga é um problema muito mais grave que isso. Há muitos anos a droga anda a destruir pessoas e famílias aqui nos Açores. São muitas pessoas, muitas mães, pais, irmãos, primos, sobrinhos, amigos afectados de uma forma ou de outra pela ilegalidade e consequente tráfico de droga. E porquê? Estou a falar principalmente das chamadas drogas duras, a heroína e a cocaína. Sendo ilhas, como somos, a entrada de qualquer produto deveria ser muito mais fácil de inspecionar e controlar,do que nas fronteiras continentais. Aqui nos Açores, a droga ou entra pelos portos, vinda de barco, ou entra, como foi o caso agora noticiado, pelo aeroporto, vinda de avião. É claro que pode acontecer que um barco vindo da América do Sul possa descarregar imensa droga numa qualquer zona das costas das nossas ilhas, mas, como é evidente, os Açores não são um mercado suficientemente apetecível para quem trafica droga dessa forma. É certo, no entanto, que isso já aconteceu, quando nos anos 90 um barco que fazia a travessia entre a América do Sul e a Europa teve que parar nos Açores porque teve problemas e a droga acabou toda ficando cá. Foi uma infeliz excepção , no entanto, como sabemos. Sabe-se que embarcações que transportam droga da América do Sul para a Europa usem os Açores como porto de escala. Pelo menos no passado isso aconteceu. Só que muito pouco haverá para fazer ou dizer em relação a esse fenómeno.

As chamadas drogas pesadas e ilegais entram em grandes quantidades nos Açores. Sempre entraram. E tal como todos os outros produtos que entram nos Açores, as drogas entram ou pelos portos ou pelos aeroportos. E como é evidente deverão existir pessoas nos Açores que lucram prosperamente com o negócio da droga, às custas de infelizes pessoas e famílias que se vêem envolvidas nesse mundo terrível. 

Por todas estas razões é que defendo novamente a legalização dessas chamadas drogas pesadas. Eu prefiro que tanto a heroína, como a cocaína sejam vendidas em locais previamente destinados pelo Estado e que sejam vendidas com o controlo estatal, tanto a nível policial como a nível sanitário. Deste modo, acaba-se-ia imediatamente com este tráfico às escondidas e sem regras, que acaba quase sempre por ter como alvo final os jovens nas escolas. Acabar-se-ia também com esses lucros enormes, em que o Estado não vê qualquer imposto, como acontece com qualquer produto comercializado. 

Legalizar estas substâncias e retirar-lhes essa reputação de produto proibido, que, como sabemos, acaba por ser sempre o mais apetecível, permitiria extinguir a larguíssima maioria dos problemas que as drogas causam actualmente na nossa sociedade. Estas drogas pesadas, a heroína e a cocaína, são de tal forma letais e perigosas para as pessoas, que não deviam jamais estar nas mãos de traficantes sem escrúpulos. Deveriam ser geridas e prescritas apenas por quem de direito, como médicos especializados na área. Aliás, existe uma enorme gama de medicamentos muito semelhantes a essas drogas, que são legais, mas estão sob o controlo dos especialistas e longe dos jovens, ou dos mais incautos. 

Este não é um problema exclusivo dos Açores, no entanto. Pelo contrário, é um problema internacional, como bem sabemos. E aquilo que se concluir é que o problema da droga não vai desaparecer num futuro próximo, pois não há a mínima vontade a nível internacional de legalizar estas substâncias. É na ilegalidade que estão os ganhos dos traficantes. E há muito dinheiro e muitos interesses que dependem dessa ilegalidade.

Infelizmente.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rui Gamboa
É sem duvida uma abordagem corajosa, necessária e constitui uma pedrada no charco, do marasmo e da falta de análise dum problema imenso que não tem tido desenvolvimentos positivos com uma visão exclusivamente repressiva.
Confiar na repressão para resolver, ou diminuir o problema, ou se baseia em má fé, ou é duma ingenuidade gritante.
Eu há muito que defendo a legalização das drogas, assente num sistema sustentado, com vários vértices,que passariam pelo reforço da pedagogia anti drogas, pelo acompanhamento social das populações receptivas ao fenómeno, pelo recenseamento e acompanhamento dos toxicodependentes, pela assumpção dos consumidores como doentes a necessitarem de acompanhamento médico e por fim com a experiência inicial, de programas relativos ás drogas leves e à implementação de estudos e experiências médicas com os reconhecidos méritos da canabis e similares no tratamento de certas doenças, etc,etc.
Em termos sancionatórios e repressivos existe todo um trabalho legislativo em termos de graduar as penas do trafico de droga, no sentido de distinguir claramente os pequenos dos grandes traficantes.
Penso que deve ser por este caminho que se deve dar passos consistentes em prol da alteração do estado de coisas, relativas a este flagelo, potenciado pela crise económico e social.
Parabéns pela coragem, e pela novidade que neste micro cosmos das ilhas é quase uma "bomba" que mais do que escandalizar as pessoas, as deve fazer pensar.
Saudações
Açor

Anónimo disse...

Caro Rui Gamboa
Considerando o seu post um libelo anti droga, no sentido racional e propedêutico e eficaz que estes combates devem ter, não tenho muito a acrescentar ao seu texto, até pelo meu ultimo comentário, escrito a quente e sem a profundidade que o tema merecia, seja como for, vou acrescentar, que o tema do consumo das drogas ilegais deve ser analisado em paralelo com o consumo das drogas legais(como muito bem salienta)outra das vertentes que salta para a ribalta é a necessidade de aqui, como em outros temas controversos da sociedade, não se ter uma leitura comodista, de nada considerar para além do consentido e tido como norma, a sociedade e o conhecimento só avança se colocarmos perguntas contraditórias ás verdades instituídas, no sentido de obtermos respostas de acordo com as mais sabias soluções e não exclusivamente com a paz podre das ideias feitas, tidas por únicas.
O teu texto é um grande arrojado e lúcido contributo na discussão deste tema.
Parabéns, Açor