27 março 2013

Uma paciência portuguesa



Assim a adjectivou já Camilo Castelo Branco para significar uma paciência de muita pachorra, muito pachola, enfim mui muito paciente (cf. A Senhora Rattazzi, preâmbulo). Parece que cada nação acaba por baptizar a qualidade, boa ou má, que melhor lhe quadra, ou de que vai dando mais mostras: pontualidade britânica, disciplina alemã, vaidade francesa, etc. E paciência portuguesa, sempre renovada e nunca desmentida.
Por exemplo:
O famigerado engenheiro, com uma ajudinha dos amigos e de mais alguns, que ele nem precisava, afundou os portugueses e as portuguesas (para empregar a consabida fórmula) pelo menos durante o tempo que resta de vida útil a metade deles.
Os ditos portugueses e portuguesas pagam a RTP.
A RTP, decorrido breve período de dois escassos anos de nojo (em mais de um sentido) sobre «a catástrofe» (como no título de Eça), paga ao engenheiro, agora com a sobrecarga de philosophe de la rive gauche, para explicar por a + b, sempre aos portuguesas e às portuguesas, como se deve e como se não deve fazer para sair disto, e para deixarem de ser insolúveis.
Este encadeamento sucede-se com a lógica e o rigor, não da tragédia (já agora não só grega), mas do chamado teatro do absurdo que grassou no pós-guerra, e reveste a perfeição de um soneto (sem emenda).
Mais consequentes e necessários do que os diálogos deste novo Sócrates, talvez só o teorema do velho Pitágoras, para não sairmos das referências à cultura trágica.
Por isso observou um discreto na última ceia conversável no sítio do costume: – Não se percebe nada do mundo moderno enquanto se não perceber que para triunfar nele pode ser necessário isto e aquilo, mas principalmente é indispensável não ter pingo de vergonha na cara.
– Sim. E, parafraseando a cantiga, prova de paciência maior não há – tornou outro.
  – Mas o povo é sereno – obtemperou um terceiro, lembrando o célebre dito.
 – Sereníssimo – concluiu o quarto, enquanto abria mais uma de Encostas do Trogão.
         E, quais três mosqueteiros, terminaram a ceia brindando à saúde do paciente. Que bem precisa.

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