09 novembro 2013

Televisão (e rádio) nos Açores: que futuro?

Numa altura em que está novamente em discussão (temo que inócua) o futuro da RTP-A, ou melhor, do serviço público de televisão nos Açores, republico o texto de 10 de Agosto de 2011, por me parecer que, expurgadas notas de época, se mantém actual, e no qual apontei alguns dos problemas que necessariamente terão de ser equacionados no debate, para que este seja sério e profícuo, e referi, ainda que sem aprofundar, qual deverá ser o caminho para um efectivo serviço público audio-visual açoriano. Eis:
 
A RTP/Açores faz hoje 36 anos. Está de parabéns. Posto isto, será que daqui a 36 anos ainda se festejará o aniversário?

Características idiossincráticas humanas aparte, a RTP/A e a SATA, ou, noutro aspecto, a Universidade, são símbolos da autonomia açoriana, porque, duma forma ou doutra, personificam o elo de ligação mais imediato entre as ilhas e as suas gentes. No mínimo por isto, tudo o que envolva cada uma delas tem de ser gerido com parcimónia, de preferência, com o cuidado da univocidade. Sobretudo, política.

A RTP/A que conheci há 20 anos, nada tem a ver com a realidade actual. É normal que assim seja. O País mudou e com ele a televisão. Há 20 anos, apenas existia a RTP; hoje, além da SIC e TVI, temos igualmente os canais que nos chegam via satélite ou por cabo. Temos aquilo que é desejável para o consumidor: concorrência. Esqueçamos, pois, quaisquer laivos de verossimilhança com o passado.

Tal facto, em circunstâncias normais, deveria ser motivo de incentivo para que os agentes políticos pugnassem por um entendimento sobre o que é essencial para que a RTP/A não desapareça. E é de sobrevivência que se trata, por muito que alguns deles, na ligeireza de pensamento de quem pensa apenas a curto prazo, tentem contornar a questão ou nem sequer consigam percebê-la.

Incontornável é que, no tempo do monopólio, a RTP/A pouco necessitava de mostrar. Sem concorrência, nem sequer a do grupo a que pertence, existia sem o cuidado de ter (precisar de) profissionais qualificados em qualquer posição da pirâmide. Quem cá vivia não conhecia outros e, consequentemente, o grau de exigência não existia ou, a existir, era-o para uma minoria tão ínfima que pouco incomodava o statu quo.

Por tal, é óbvio que nunca houve necessidade objectiva de ser apresentado um qualquer projecto estruturante que contribuísse para a definição do que deveria ser uma televisão de cariz regional. Por desnecessidade, políticos, trabalhadores e população conviviam bem com o amadorismo de alguns, a subserviência de outros, a inocuidade da maioria e a benfazeja qualidade de uma minoria. A ingenuidade apenas desejava que o pequeno ecrã funcionasse, enquanto que os outros queriam que funcionasse como eles queriam.

Hoje, a RTP/A apresenta-se-nos de forma diferente. Inserida num contexto de apertada concorrência, não se basta com a mera declaração de existência. Assim ninguém a quererá. Assim não terá razão de existência.

A Lei 27/2007, de forma genérica, trouxe um estrangulamento ao exercício do serviço público de televisão e contrangimentos de ordem organizacional e financeiros, que só prejudicaram a estrutura regional de televisão, minando qualquer intenção de modernização e autonomização da RTP/A.

Não fosse somente tal, também a inacção, inabilidade, incongruência ou assentimento (mesmo que tácito) políticos, Governo Regional à cabeça, permitiram que o processo de desenvolvimento de um canal de cariz regional, com um quadro de pessoal capaz e profissional, com equipamentos técnicos modernos e adequados, com instalações dignas e, sobretudo, com autonomia administrativa e financeira, fosse quase estrangulado pelos poderes centrais e boicotado por “interesses internos” comodamente instalados.

Apesar de tudo, louve-se a tenacidade quase inglória da actual equipa directiva, coadjuvada por alguns bons profissionais, que conseguiu arrancar com o portal Multimédia Açores, trazer novos equipamentos técnicos, como modernas câmaras para a informação, um novo estúdio ou começar com a Antena 3, em simultâneo com acções de formação para o pessoal. Para além disso, a RTP/A ascendeu ao 3º lugar como canal mais visto nos Açores, atrás da SIC e TVI, sendo que, por exemplo, em 2006, ocupava o 5º lugar. São dados para reflectir; são dados para nos incutir esperança quanto à viabilidade do canal regional.

Está, pois, na altura de abandonar quaisquer interesses particulares ou de mera táctica política, convergindo opiniões e acções que protejam o interesse regional. Expoente máximo da comunicação social regional, a RTP/Açores é de todos nós.

Consequentemente, parece congruente que se pugne por uma reformulação do conceito de serviço público, que se proceda a uma reorganização orgânica, afirmando-se o mérito como condição primordial do exercício da função laboral, que se criem condições para o aumento progressivo dos conteúdos, que se criem condições para que o Serviço Público Regional (rádio e televisão), além de se cimentar na Região, seja um meio de promoção dos Açores no exterior e um meio de aproximação às comunidades emigrantes.

Para tudo isto, é fundamental que à direcção regional sejam conferidos meios funcionais e financeiros e que aos profissionais sejam conferidas condições de trabalho dignas, afastando-se o opróbrio politico que lhes tolda as capacidades.

Tal desiderato só se alcançará com a criação do Serviço Público Regional de Multimédia, fundamental para o exercício da Autonomia. Palavra e acção aos políticos.

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