05 maio 2014

O N.º DO NOSSO ESQUECIMENTO


«“O que é que o Governo oferece? Um Audi? Um BM? Um Mercedolas? A gente oferece um Lamborghini, daqueles que abrem as portas para cima”, anunciaram esta sexta-feira vários empresários ligados à economia paralela, na apresentação de um concurso que vai premiar os contribuintes que não peçam facturas. Factura do Azar? chama-se o sorteio lançado por este grupo de empresários da economia paralela. Interrogados qual a razão para lançarem este concurso e para não quererem que os contribuintes peçam factura, os empresários são peremptórios: “É por causa da floresta, porque, cada vez que se emite uma factura, cai uma árvore.”»


Desedifica-me, caro Zé & C.ª, que este sítio não anuncie e propale iniciativa tão meritória, de que acabo de ter notícia por um emílio.

Eu corro sérios riscos de ganhar o Lamborghini. Digo riscos porque, se a mudança para um apartamento melhor muda mais seguramente as ideias e filosofia de um homem do que o estudo e assimilação das obras, por exemplo, de Emanuel Kant ou Carlos Marx, segundo o nosso Millor Fernandes, que fará a mudança de carro para um Lamborghini? Decerto, nada menos que, esta sim, um revolução coperniciana na vida do premiado, com todas as consequências advindas de uma nova visão do mundo, – mundividência, ou melhor, Weltanschauung, como a classificariam os ditos Emanuel e Carlos.  

E porque eu cá nunca peço factura: quando me lembram o exercício,  recuso enfática e veementemente.

Assistem-me duas boas razões, que me apraz compartir convosco, amigos: estou-me ninando para o número de contribuinte (pela cartilha oficial, o número de identificação fiscal! Mais pompa no chamadouro só a Pompadour, convenhamos). Se uma criatura se empenhasse em decorar a colecção de senhas reputadas por imprescindíveis na vida moderna – que, diga-se de passo, tem mais de moderna que de vida – estaria codilhada: antes decorar os rios de Angola. Não se nos depara geringonça que não traga ajoujada a sua senha, do telelé ao multibanco, passando pela área de trabalho, até ao cartão de leitor da Bertrand!

Essa singela palavrinha, «senha», daria pábulo a mais um artigo a locupletar o Nacional e Transmissível do nosso saudoso EPC, pensador a tempo inteiro, e que nesse opúsculo coleccionou uns quantos gostos e desgostos, manias ou tiques pátrios, desde o pastel de nata a Fernando Pessoa. Realmente, já reparastes, amigos, em que raro topais alguém que a use? O normal é empregarem o bife password ou então a dupla asnática de palavra-passe. Ainda assim, mais password – porque é inglês, e nós somos portugueses (ou algo parecido).

Mas, vinha eu dizendo, com tanta senha para decorar, não estou para trastejar o miolo com mais essa alfaia do NIF. Antes aproveitar as raras intermitências de devaneio que nos permite a tal vida moderna para ir aprofundando a quádrupla raiz do princípio da razão suficiente ou outra questão de parelha polpa e transcendência, que, quando menos, sempre mereceria o voto do reflexivo EPC.

A segunda razão é de princípio: como o Estado acabou por se viciar de todo em todo no nosso rico dinheirinho, por mais que esprema o seu contribuinte, nunca se lhe afigurará bastante: precisa sempre de mais e mais, como todo o toxicodependente vos atestará; e o dever do dito cidadão, informado e agora também informatizado, cifra em privar o Estado dos meios de se intoxicar. Conseguintemente, a fuga ao fisco revela-se patriótica.

Enfim, não pedindo factura, o cordo e cada vez menos gordo pai de famílias aveza descontos catitas em oficinas, restaurantes, cafés, barbeiros (ou cabeleireiros), etc. Quanto a mim, que pago a pronto e em dinheiro de contado, sempre fui benquisto nesses lugares; ultimamente porém quer-me parecer que a minha popularidade tem vindo a aumentar...

Estamos pois com o bom Viegas quando, cumprindo a sua promessa, mandar o fisco, cada vez mais visgo, «tomar» no… viegas.
 
           Mas vejo que somam três razões. Afinal, havia outra. Há sempre. O bom povo já o compendiou no seu rifoneiro: não há dois sem três.

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro LM
Nem de propósito, depois duma contradição "quase patológica" entre nós dois, aparece um raio de sol, até parece os dias meteorológicos dos Açores, num momentos o céu a desfazer-se em aguas, no momento contiguo o sol a espreitar com todo o seu esplendor...
Tudo isso pelo facto(de não obstante um estilo exagerado)eu estar no essencial de acordo com o seu texto, podiam de facto as duas entidades(estado e os anti impostos)disputarem entre si a atribuição de automóveis, sabonetes ou preservativos, estou certo que me arriscava a ter brindes dos dois lados, de uns se contassem os impostos que obrigatoriamente pago, dos outros, os que me fossem atribuídos, por igualmente nunca ter na memória o numero de contribuinte e não pedir factura, pois considero que esta deve ser automaticamente considerada e não sermos transformados em funcionários do fisco...
Com humor ou sem ele, esta farsa dos sorteios, pode ser um incentivo aos amigos venderem mais uns automóveis, mas será sempre um "deboche" que não dignifica a necessidade de cobrar impostos, desde que justificáveis e com fim de serem aplicados ao serviço do bem comum.
Neste contexto achei interessante o post, só é pena não aproveitar o ensejo para se demarcar claramente deste governo...
Açor

Anónimo disse...

Sim, caro LM, o socialismo suga o tutano ao contribuinte. Este governo não é nada liberal. Está perigosamente próximo do xuxalismo.
-Contribuinte onerado

Anónimo disse...

«... percebam agora o que logo ao princípio deveriam ter entendido: quando se abre a porta a que os poderes públicos entrem nas nossas vidas para nos regularem comportamentos que só a nós afectam, não se pode nunca calcular onde estão os limites. Porque amanhã, com os mesmos fundamentos, poder-se-ão taxar aqueles cidadãos que, no fim do dia de trabalho, não fazem exercício; os que, sendo gordos, se recusam a fazer dietas; e os que têm um amor imoderado por fumados, escabeches excessivamente avinagrados ou ossinhos de Assuã - não há limites para a imaginação de gente virtuosa.»
José Meireles Graça, no blogue Gremlin Literário, 17-4-14-
Achei que ficava aqui bem...
Sandra.

Anónimo disse...

Caro Contribuinte onerado e Sandra
A questão não é só, a quantidade de imposto que é sacado ao contribuinte, a questão é mais qual a justificação para este imposto e se ele é rigorosamente bem gasto.
E é o contribuinte onerado que diz claramente que este governo "...está perigosamente próximo do Xuxalismo..." só que ainda é maior o nível de imposto cobrado e menor a aplicação do mesmo em prol do Povo, restando no fim uma situação de divida publica ainda maior, como nos diz Olga Cardoso(apoiante da austeridade e deste governo)que o Pais está pior depois da austeridade e que não vê saída para a crise...
A tão propagada "...saída limpa..." mais não é que uma saída suja, onde a troika continua a mandar, para ver satisfeitos os seus créditos, mas onde já não aplica(empresta) mais dinheiro.
É bom que rapidamente os apoiantes do liberalismo, se apercebam que este governo é liberal com as classes médias e baixas e "socialistas" com o capitalismo financeiro, na medida que destina os nossos impostos para financiar a grande finança e o capitalismo das grandes empresas, se repararem na subvenção e isenções ás grandes empresa e à finança, bem como as rendas à EDP À galp e outras, bem como os apoios à banca, sem falar na factura do BPN e BPP, nas parcerias púbico privadas e se quiserem repararem que os lugares para os boys continuam senão aumentam, é ver a criação do banco do fomento onde os gestores vão ganhar rios de dinheiro, quando já existe um banco a Caixa com a capacidade de desempenhar o mesmo fim.
Quanto a ser liberal com os pobres continua a ser um eufemismo, pois não é só deixar andar sem os apoiar é interferir, retirando(de forma ditatorial) toda a capacidade de sobrevivência ao povo, fazendo esta coisa tão sádica de lhe retirar os meios de subsistência ao mesmo tempo que aumentam e criam novos impostos.
Os impostos não assustam ninguém se forem proporcionais à capacidade das pessoas e se forem justificáveis, controlados e gastos de forma racional, não é igual gastar os impostos na saúde ou em sumptuosidades desnecessárias e se houver derrapagens como é comum com as obras públicas seja a justiça a funcionar com os poderosos, sem acontecer como agora que os mesmos nunca são condenados e se o são é de forma a não provocarem grande mossa.
Grande parte da divida pública não existia, se a justiça fosse tão eficaz com o "colarinho branco". como é com os "pilha galinhas"...
Conclusão nem todo o imposto é mau, nem toda a despesa é justificável, saber cobrar impostos de forma equitativa e justificável e empregar estes mesmos impostos controladamente e em prol do bem comum é que deve ser a pedra de toque para saber o que esta certo e errado na gestão publica.
Açor

Anónimo disse...

E este não fica mal, cara Sandra:
«Não consigo tornar-me comunista porque só penso numa coisa: liberdade. O que quero acima de tudo é cuidar de mim mesmo e fazer o meu trabalho. Depois disso, quero cuidar da minha família. Depois ajudar o meu vizinho. Mas com o Estado não me preocupo nada.»
Hemingway, carta a Iwan Kaschkin, de 15.VIII.1935, cit. em «Ernest Hemingway», de Hans-Peter Rodenberg, ed. Expresso, p. 84, 2011
*
Mas o Estado preocupa-se contigo, caro Ernesto. Esse é o problema.
LM