Acontece-me cada vez mais raramente, mas li
um artigo de jornal: o editorial de José António Saraiva no Sol, de 12 de Junho corrente.
Concorda-se com a letra, nem tanto com o
espírito.
Sim, os do Palácio Ratão estiveram mal,
como vai sendo seu timbre e apanágio: goste-se ou não, a ideia de que o défice
do Estado não se deve reduzir diminuindo a despesa representa-se-me um erro.
Infelizmente, ao revés do que sugere o acórdão dos ratões, o aumento de
impostos não leva automaticamente ao crescimento da quantia arrecadada. Nisto,
os colendos estão em flagrante divórcio da realidade, e muito ganhariam em ler
algo mais além dos específicos limites do direito. A situação é arquiconhecida:
o Estado tem de acertar as cotas, e o ajuste só pode fazer-se reduzindo a
despesa. Nenhum outro meio parece possível. Aumentar impostos não resolve a
questão: a teta do contribuinte não pinga indefinidamente; acima das leis
constitucionais estão as leis da realidade ou possibilidade. Mas talvez
seja necessário não ser uma vestal do constitucional para enxergar o óbvio mais
ululante.
Não, o tal editorial é mais uma voz que
demoniza a função pública, – no dizer do vulgo, a malta que tem culpa. É uma
injustiça (como diria o Calimero). Pois, juntamente com os desempregados, a FP
avulta como a grande vítima desta crise. Mas a táctica é conhecida: consiste em
demonizar os que devem pagar o patau. Vem nos manuais.
Transparente, pois, a campanha contra a FP,
mas também injusta (como repetiria o Calimero). Afinal de contas, a culpa do «estado
ao que isto chegou» (como o qualifica a Ilda de minha avó Georgina) só pode
caber aos homens do leme nos últimos 20 anos. E, como me jura aqui a pés juntos
um amigo FP, «eu não tomei nenhuma das decisões ruinosas que redundaram no
défice sistemático e na dívida incomportável; posso até ter beneficiado algo,
Ambrósio, mas não sou responsável. Preferia decerto que o número de FP fosse
reduzido para metade, e os vencimentos aumentados para o dobro, e detestei até
que nos últimos anos o meu trabalho fosse dividido por mais dois ou três
serviços ou transferido para privados. Como não sou responsável disso,
considero injusto (este meu amigo não tem nada de Calimero, mas esta
escapou-lhe…) que a punição recaia somente sobre mim e outros como eu».
Mas, com todos os seus defeitos, a posição
das vestais do constitucional também pode ser interpretada como a devolução do
bebé (a bancarrota) aos legítimos progenitores (os políticos). Como quem diz:
resolvei lá isso, que a culpa é vossa. E é verdade, mas nem por isso a posição
do Palácio Ratão deixa de enfermar de nefelibatismo.
A realidade, outra
vez a realidade, sempre a realidade, amigos. «Os factos são superiores aos sonhos» (Churchill, citado por Edgar Black na biografia editada pela Aster, p. 280).
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