22 outubro 2014

O Revisionismo em Truman

-->

O revisionismo histórico é assustador. Por razões óbvias, factos ou personagens históricos relevantes positivos ou negativos poderão ficar para sempre esquecidos em páginas que foram deliberadamente apagadas ou escondidas até à “verdade conveniente” ter ficado devidamente cimentada, ao ponto de que se essas páginas viessem posteriormente a público seriam rapidamente descartadas e rotuladas como imbecilidades, senão mesmo de insultos à “verdade”.

A detonação das bombas atómicas no Japão no final da II Guerra Mundial poderá estar condenado ao revisionismo, dada a magnitude do acto em si e das consequências que teve. E Harry Truman também parece, neste momento da História, erradamente, a meu ver, como um dos grandes presidentes dos EUA (como demonstram, aliás, muitas sondagens).

No entanto, e não querendo me colocar numa posição de historiador, para a qual seria exigido um trabalho de pesquisa muito mais minucioso do que este, existem factos que importam relevar sobre este assunto.

Desde logo, dizer que foi a única vez que se utilizou poder atómico, apesar das inúmeras guerras, conflitos e ameaças de uso que ocorreram depois. Dizer, também, que não foram as bombas que fizeram o Império Japonês capitular em 1945. O argumento utlizado foi que iriam ser sacrificados muitos soldados aliados numa invasão ao Japão, caso as bombas não tivessem sido detonadas. O argumento é risível quando se constata que, ao longo dos anos, o número de potenciais baixas que Truman apresentava para justificar as bombas, foi mudando consoante ele achava por bem. O Japão estava pronto a render-se, porque estava já completamente destruído depois de uma insana operação americana de bombear as principais cidades japonesas, com armamento convencional, e porque nesta altura (agosto de 45) o exército soviético já tinha sido praticamente todo mobilizado da frente europeia para a Manchúria.

As bombas não foram usadas com fins puramente militares, como aliás confirmaram posteriormente pessoas insuspeitas como o General MacArthur ou Nimitz e tantos outras altas patentes do exército americano. Foram usadas sim a para marcar a posição de superioridade norte-americana no mundo pós II Guerra Mundial e para intimidar aquele que viria a ser o principal inimigo nos 50 anos seguintes, a URSS. O facto é que as bombas atómicas foram detonadas em Hiroxima e Nagasaki, com centenas de milhar de vitimas civis, naquilo que eu, pessoalmente, considero como um dos piores crimes de guerra não sancionados jamais cometidos.

O legado de Truman prosseguiu com a criação do Estado de Israel. Fez uma grande campanha junto da ONU e dos países europeus, que estavam completamente destruídos e dependentes da ajuda (visionária, diga-se, do plano do General Marshall) para aprovar o novo Estado judaico, apesar de todos os países vizinhos a Israel terem rejeitado a ideia. Não me merece tecer comentários aqui sobre a justeza dessa decisão. No entanto, a verdade é que criou uma animosidade que dura até aos dias de hoje. E a conquista de terras por parte de Israel nos anos seguintes foi apoiada pela presidência da Truman, mas contra muitas resoluções da ONU.

Truman criou a CIA, que viria a envolver-se directamente nos assuntos internos de muitos países, organizando golpes de estado, armando grupos, alimentando guerras civis ou patrocinando tiranos. O caso mais importante terá sido no Irão, com a CIA a apoiar o grupo que viria a depor Mosadegh e instalar o Xá que teria um mandato de terror que durou décadas, acabando por dar lugar ao extremismo do Ayatollah Khomeny e acentuando, ainda mais, o sentimento anti-ocidente entre os países árabes.

Foi com Truman que a Guerra Fria se instalou definitivamente. A paranoia anti soviética que se instalou nos EUA naqueles anos ficou personificada no Secretário de Estado da Defesa, James Forrestal, que acabou a vida atirando-se da janela do seu quarto na divisão psiquiátrica do Hospital de Bethesda, pensando que os russos o estavam a vigiar. Na verdade, essa paranoia comandou a política externa norte-americana, não só durante esse período, mas durante muitos mais anos, chegando aos dias de hoje, mas com inimigos diferentes. A ideia era parar os intentos expansionistas soviéticos no mundo e ficou conhecido como a Doutrina Truman e que era definida como a vontade dos EUA protegerem a “liberdade” de países terceiros e não caírem na tirania e opressão soviética. No entanto, o que acabou por acontecer foi a já referida acção da CIA nos assuntos internos de muitos países, que na maior parte das vezes não tinham qualquer tendência comunista. Para agravar a situação, a URSS acabou por ter o poder nuclear em ’49, o que levou a uma corrida desmedida ao armamento, com Truman a testar a bomba de hidrogénio, como resposta em ’53.

Seguindo essa mesma doutrina, Truman envolveu os EUA na Guerra da Coreia, que, depois de muitas dezenas de milhar de soldados mortos, acabou com as posições basicamente onde tinham começado, ou seja o famoso paralelo, e com a situação que se arrasta até aos dias de hoje.

Os registos, os diários, as autobiografias das pessoas que lidaram de perto com Truman, deixam pensar que se tratava de um homem, não diria fraco, mas que certamente não estava talhado para ser Presidente. Antes de entrar para a política, Truman tinha deixado um rasto de negócios falhados, como a gravataria da foto. Aliás, há a história da famosa máquina política de um homem chamado Pendergast que se gabava dizendo que tinha colocado Truman no Senado para provar que conseguira eleger um “office boy”. À parte disso, a verdade é que tal como muito depois dele, Truman foi um Presidente altamente influenciável e que, aliás, se viria a mostrar arrependido (ou pelo menos deu ideia disso) sobre várias decisões que tomou.

Por fim, importa aqui realçar outro aspecto fundamental, é que se estes factos sobre Truman podem ser verificados, com maior ou menor facilidade, a verdade é que se quisermos fazer um exercício semelhante com uma personagem histórica do lado soviético, por exemplo, iremos encontrar, ainda, enormes entraves, dado o secretismo e opressão que sempre imperou na URSS. Não me custaria nada a acreditar que, caso Estaline tivesse tido acesso ao poder nuclear antes dos EUA, também o teria usado para marcar posição e, certamente, o teria feito com maior dimensão, talvez mesmo na Europa. E na verdade, apesar de tudo o que foi dito, os soviéticos tinham de facto uma agenda expansionista e que se traduzia nas máximas de Lenine de assassinar, através do uso do terror, todos que se opusessem ao comunismo. E o Estaline, como se sabe, levou essas máximas ao rigor, acrescentando-lhes o seu próprio toque de sociopata que era. Portanto, o receio que os norte-americanos tinham dos soviéticos e que se traduziu, como se viu, em investidas em muitos países terceiros, tinha razão de ser. Além do mais, os próprios soviéticos tinham a mesma prática.

Mas, como disse no começo, o que me motiva para conhecer estes assuntos, é o revisionismo histórico. Estaline foi, de facto, um dos piores criminosos que o mundo conheceu, mas isso está basicamente estabelecido como sendo verdade. Que Truman não tenha sido como Estaline, dou de barato, nunca massacrou a sua própria população, para não irmos mais longe. Mas convém, também, não passar a borracha sobre a História.

2 comentários:

Anónimo disse...

ainda bem que regressou à escrita trazendo a boa controversia que por aquio tinham. Nao vou pronunciar-me sobre o escrito por nao ter ainda lido em profundidade sobre esta era. Lembro que Truman nao foi reeleito. Será que os americanos se terao apercebido da loucura governativa? Pelo que tenho lido a criaçao do estado de Israel nao se deveu apenas à intervençao americana. Os ingleses tambem fizeram pressao e com sucesso. Penso que a existencia de Israel é justa e o facto serve como ponto de equilibrio na atualidade. Sem Israel o mundo islamita estaria em cima da Europa e do mundo democratico. Gosto de ler o que escreveu por parecer me controverso. Por isso hoje dou-lhe os parabens pelo regresso.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Truman foi nomeado vice de FDR num congresso do partido democrata. Diz se, e as notícias da época confirmam, que entrou para o congresso com pouco menos de 10% das intenções de voto dos congressistas para ser a escolha, mas que alguns notáveis fizeram tudo para que fosse ele e não wallace que era o preferido de FDR que, já agora, não esteve nesse congresso pq estava noutra parte do mundo, uma vez que foi em plena II guerra. Como sabemos, FDR morreu pouco antes da guerra acabar e Truman substitui-o nas negociações com Estaline e churchill. Depois disso venceu a eleição de 48 m

Antes da eleição, também tinha poucas hipóteses de vencer e tinha péssima imprensa. No entanto, isso mudou, segundo se diz, devido à influência do poder judeu que controlava a comunicação social na altura para depois Truman devolver com a campanha para criar Israel. A verdade dos factos que pode ser verificável no livro de corresponcia entre Eleanor Roosevelt e Truman, é que ele disse, muito mais tarde, que se arrependeu disso.

Quanto à criação do estado de Israel, neste texto eu estava só a falar de Truman. Senti a necessidade de fazer esse reparo em relação aos soviéticos, quando disse que não era tudo respinsablidadé de Truman, que de facto houve outros responsáveis. No caso da coreia, como se sabe, ele respondeu a invasão feita pelos comunistas. A questão é que, se nos colocarmos na pele dos russos na altura, vemos que os EUA estavam às portas das suas fronteiras em todo o lado o que talvez os motivou a repelir essa influência e, eventualmente, levar também influência russa perto dos EUA com Cuba.

A criação de Israel é referida porque foi de facto quando Truman era presidente e, apesar dos ingleses terem influência na zona antes da guerra, a verdade é que no pós guerra o império estava acabado. No meu entender, e apesar de reconhecer que há outros responsáveis (como em tudo) foi Truman que mais se empenhou na criação de Israek. Não me pronuncio sobre a justeza da criação de Israel, mas a verdade é que todos os países vizinhos foram contra e que Israel se expandiu contra as recomendações da ONU, levando a conflitos que ainda hoje continuam.

No mais, vamos tentar voltar a escrever com mais assiduidade.
Cumprimentos