14 setembro 2006

Moralmente superior

Nunca fomos "todos americanos"
por: Mário Bettencourt Resendes Jornalista in DN online

"O quinto aniversário dos atentados de 11 de Setembro foi pretexto justificado para uma série de evocações e análises sobre a situação internacional, em particular para um ponto de situação sobre o combate ao terrorismo global.
Pontificou, em várias tribunas, a tese de que os erros de avaliação e as precipitações da Administração Bush tinham desbaratado um suposto capital único de simpatia mundial para com os Estados Unidos, construído na sequência da acção brutal contra as torres de Nova Iorque. E, de facto, quem não se recorda do título de primeira página da edição de 12 de Setembro de 2001 do insuspeito Le Monde. "Somos todos americanos"? E da onda de indignação e solidariedade de que os media, um pouco por todo o lado, se fizeram eco? Foram dias em que um qualquer cidadão norte-americano, que estivesse fora do seu país, terá sentido um calor humano genuíno, de que não havia memória recente.
A verdade, todavia, é que esse estado de espírito de boa parte da opinião pública internacional pouco mais foi do que uma espécie de epifenómeno, com motivações emocionais compreensíveis, mas com previsível vida efémera.
Desde logo, não é certo que, nesses dias de 2001, tivéssemos sido "todos americanos". Não faltou, seguramente, quem, no seu íntimo - contido por motivos óbvios... - tivesse pensado, para utilizar uma expressão corrente, que os americanos "estavam a pedi-las..." E não se deve também esquecer que as populações que se sentiam (e sentem) vítimas da "arrogância imperial" de Washington, nomeadamente no mundo árabe, poucas lágrimas terão chorado pelas vítimas de Nova Iorque. As declarações oficiais de pesar e condolências dos dirigentes políticos estavam longe de traduzir o que ia nos corações dos seus governados.
Vale a pena recordar que o sentimento e as manifestações antiamericanas, em particular na Europa, remotam aos anos da Guerra Fria, orquestradas (e financiadas...) a partir de Moscovo. Quando a NATO tomou a dupla decisão de instalações de mísseis em vários países europeus, a par com a abertura de negociações ao Leste, assistiu-se a uma vaga de contestação nas ruas onde era evidente a inspiração soviética, designadamente através de iniciativas dos partidos comunistas ocidentais.
Há toda uma geração de europeus que percorreu a sua juventude, em termos políticos, a gritar slogans contra quem estivesse no poder em Washington. O desfecho da Guerra Fria, conjugado com as alterações estratégicas na ideologia oficial (e sobretudo na prática quotidiana) chinesa, criou milhões de órfãos do comunismo soviético e do maoísmo. Muitos converteram-se à democracia representativa e espalharam-se pelos partidos do "sistema", mas não falta quem nunca tivesse perdoado aos americanos a responsabilidade pela ruína de tantas ilusões.
Bill Clinton pode não ter sido tão fustigado, na Europa, como George W. Bush. Era uma figura bem mais simpática, um comunicador genial e, além disso, tinha deslizes de comportamento pessoal, desde a juventude, que são vistos com benevolência no Velho Continente. Mas não deixou de bombardear o Sudão na sequência dos atentados da Al-Qaeda contra embaixadas americanas em África. Aliás, os europeus tendem a esquecer que a política externa dos Estados Unidos, independente- mente de ser conduzida por democratas ou por republicanos, assenta em vectores de consenso próprios de uma potência imperial. Ao terrorismo fundamendalista islâmico pouco importa a orientação política da Casa Branca, ou seja, Ben Laden não teria poupado Nova Iorque se, porventura, Al Gore tivesse derrotado George W. Bush. A ameaça de alto risco às sociedades democráticas ocidentais, e em particular aos Estados Unidos, não começou com a eleição de George W. Bush nem acabará se os democratas vencerem as próximas eleições presidenciais.
Os erros da Administração Bush no combate ao terrorismo global, patentes nos planos político, diplomático e militar, deram novos e bons pretextos aos sentimentos antiamericanos que, há décadas, fermentam em paragens variadas. E acrescentaram mais alguns milhões à "procissão" onde desfilam, juntos, interesses de matizes diversas e, por vezes, mesmo contraditórios.
O resto é retórica, pontualmente bem intencionada, de quem não aceita que um eixo atlântico, sólido e equilibrado, é fundamental para preservar a segurança e a liberdade das democracias ocidentais, onde, apesar de tudo, a prática da tolerância e a aceitação da diversidade não têm paralelo no mundo contemporâneo."
Sinceramente, quem que achava que "os americanos estavam a pedi-las" desta forma? A verdade é que não se pode condenar nem a política de Clinton no Sudão nem a política externa de Bush Jr., quando se acha 'bem' enfiar aviões em edíficios.

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