A decisão a que me refiro - absolvição de uma mulher, pela morte do marido mal tratante -, foi assim descrita pelo "Diário de Notícias" (*) na sua edição on-line:
* Após 40 anos de maus tratos, Maria Clementina Pires matou o marido com um machado de cozinha. Ontem, a mulher de 63 anos foi absolvida pelo Tribunal de S. João Novo, no Porto, uma decisão aplaudida em plena sessão pela meia centena de pessoas que encheram a sala. O juiz-presidente do Colectivo, João Grilo, considerou que agiu em legítima defesa e evitou tornar-se mais uma vítima de violência doméstica.
O Ministério Público tinha pedido a condenação de Maria Clementina, que vinha acusada de homicídio privilegiado, incorrendo numa pena que poderia ir até aos cinco anos de prisão. Mesmo assim, nas alegações finais admitiu a aplicação de uma pena suspensa.
O juiz João Grilo considerou, no entanto, que a aqrguida agiu em legítima defesa . "A senhora ao longo de 40 anos sofreu com isto tudo e não era nesta altura que ia chamar a polícia. As pessoas estão em casa, vivem com a agressão e após a queixa é que começa o verdadeiro inferno", salientou.
O juiz recordou os números apresentados pelo Amnistia Internacional que referem que em Portugal, no último ano, morreram 39 mulheres vítimas de violência doméstica e aproveitou para criticar o novo enquadramento legal dos crimes que deixaram de ser semi-públicos para serem públicos. "Isso para os tribunais vale zero", acrescentou o magistrado, que defendeu a reavaliação do quadro punitivo deste tipo de crimes."A senhora teve sorte", afirmou o juiz, considerando que "não houve excesso" nos actos praticados pela arguida.
Maria Clementina estava acusada de ter usado um machado de cozinha de 31 centímetros para matar o marido, Januário Pires, que a ameaçava com uma foice-machado com 85 centímetros. "A senhora tem ainda muitos anos pela frente, tem duas filhas, aproveite a vida", terminou o magistrado.
8 comentários:
Esta é uma decisão que não deve ser obviamente fácil de tomar. Acredito que quem a tomou estava perante as provas necessárias para chegar à conclusão que se tratou de legítima defesa.
Acreditando que foi assim que a decisão foi tomada, não posso deixar de a aplaudir.
Caro Helder Blayer, eu também aplaudo a decisão deste juíz, pois foi a primeira absolvição de um crime de morte, no nosso sistema penal. (isso, a fazer fé nas palavras do advogado de defesa da arguida)
Se reparar, no final deste trecho da noticia do DN, que publiquei aqui, diz-se que a arguida usou um "machado de cozinha" para matar o marido, estando este a ameaçá-la, nesse momento, com uma "foice-machado" com o triplo do tamanho.....isso, para não falarmos dos 40 anos de constantes maus tratos, fisicos e psicológicos (igualmente uma atenuante, óbviamente).
O que eu gostava era que esta sentença fosse amplamente divulgada, de modo a chegar aos ouvidos dos agressores (em especial os registados em meio familiar e, por isso, designados de violência doméstica), pois pode ser que constitua uma "mensagem"......se é que me faço entender
Pedro, gostava eu também que tal acontecesse e muito sinceramente, que mesmo sem serem necessárias, mortes, houvesse mais condenações por violência doméstica publicitadas. E mais queixas.
Até porque temos que ser realistas. em Portugal existem ainda muitas mulheres que acham "normal" que o marido lhes bata. Sempre foi assim. Já a mãe apanhava e a avó... Este é mais um dos problemas culturais que é mal enfrentado neste país. Outro deles é a dependência do álcool, a droga que mais mata e desfaz famílias a nível nacional.
Imperou o bom-senso.
É preciso também não esquecer que existem muitos homens vitimas de violencia doméstica. É verdade que será um numero muito mais baixo, mas existem, e se há alguma vergonha (há falta de melhor palavra) por parte das mulheres, há de certeza, muito mais por parte dos homens.
Caro Helder Blayer, sem dúvida.
As questões culturais, e a reprodução de comportamentos (nesse caso, de agrssão), fazem com que as vítimas, muitas vezes, sofram em silêncio, como que resignadas à sua "sorte".
Caro Rui, o fenómeno a que te referes (homens, também, vítimas de violêncoia doméstica), torna a questão da vergonha, quase como a principal razão da falta de denúncia. Sendo um problema idêntico, deve ser abordado numa outra prespectiva.
Pedro Lopes
Para acrescentar só mais um tópico (á questão da reprodução social de comportamentos, que "resigna" as mulheres) há ainda a questão da dependência económica e do tradicional papel da mulher nas lides domésticas, que, por exemplo, tornam a bordagem no caso de ser um homem diferente......e talvez mais embaraçosa para uma vitima masculina.?
Disso eu não tenho dúvida. Em caso de ser o homem a vítima de abuso doméstico, será muito mais difícil. Não poderei elaborar muito sobre este assunto, pois não tenho bases para tal. Mas penso que os números existentes, no caso de violência doméstica sobre homens, não deverá reflectir, nem de perto nem de longe, a realidade (tal como no caso das mulheres, mas aqui já ser´ mais perto).
Levanto esta questão: se fosse o contrário? Se fosse um homem vitima de abuso durante 40 anos e que matasse a mulher com um machado de cozinha?
É uma pergunta pertinente, caro Rui.
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