O aumento nos preços dos alimentos é um problema que poderá ter efeitos graves, principalmente entre as populações mais pobres. Entre Setembro de 2006 e Fevereiro de 2008 os preços dos bens de agricultura subiram 70% (em USD). Mas onde está a verdadeira origem do fenómeno? As razões pode ser divididas em estruturais e temporárias:
As razões estruturais:
- O aumento na procura por alimentos de alto valor (como carnes e produtos diários) nas economias emergentes, como China, Índia, Brasil. Por exemplo, os chineses consumiam 20kg de carne por ano em 1985 e hoje consomem 50kg.
- O aumento da população mundial.
- Os biocombustíveis. O aumento na procura por biocombustíveis e as actuais políticas que promovem a sua produção. Nos EUA, a produção de bioetanol prevê-se que absorva 25% da produção de milho.
- O aumento nos preços dos combustíveis. Indirectamente, porque faz aumentar a procura por biocombustíveis e directamente porque reflecte-se nos custos do gasóleo, dos pesticidas e nos próprios meios processamento.
Razões temporárias:
- Condições meteorológicas adversas que afectaram alguns dos países exportadores. A Austrália sofre de secas há 6 anos, que levou a uma quebra de 50% na produção em 2006. A quebra na produção de cereais, devido ao tempo, na América do Norte, Europa e Austrália no ano de 2006, foi de 60 milhões de toneladas, um número 4 vezes superior à quebra devido ao uso de cereais para o etanol. As alterações climáticas são pois uma razão fundamental, que poderá passar à condição de estrutural, em vez de temporária.
- Especulação, derivado da crise que os mercados financeiros enfrentam. Desesperados por um retorno rápido, os especuladores estão a retirar muitos milhões do mercado imobiliário para o mercado dos alimentos. É aquilo a que os peritos em Wall Street chamam de “commodities super-cycle”. As falhas nos pagamentos de dívidas, no sector imobiliário, estão a causar pânico, que leva à procura de investimentos seguros. O mercado alimentar é um investimento seguro, porque é certo que a procura não irá baixar e vai até aumentar. Como bem sabemos, bancos, casas de investimento, etc. não são movidos por moral, mas sim pelo lucro. Há até quem sugira que esta é uma estratégia que tem o apoio do próprio Governo Federal norte-americano, com o intuito de dar novo fôlego a Wall Street e à economia dos EUA. A verdade é que o colapso do dólar significa que a maior parte dos bens internacionais estão mais caros e o declínio do dólar é uma consequência da política americana (e britânica) de baixar os juros. Quando os juros estão abaixo do nível de inflação, os investidores têm que mover os fundos de sector para sector, para terem o máximo de retorno, nos anos ’90 houve uma corrida às acções da Internet, que criou uma “bolha” que rebentou em 2000, levando a uma crise, que obrigou os investidores a procurarem outra área: o imobiliário. Agora, com o colapso desta “bolha”, os investidores mudaram novamente, para os bens de consumo, criando uma nova “bolha”. O problema é que esta nova “bolha” afecta directamente grande parte da população mundial; a mais pobre.
Políticas de resposta?
6 comentários:
Belo post, sim senhor.
Não refere o corte das ajudas da PAC, por não achar relevante?
Os cereais dos biocombustíveis podem ficar em stand by, conforme o preço de mercado?
Já agora, como se aumentou a área cultivada, para o próximo ano manter-se-à a procura?
São questões que eu coloco a mim próprio muitas vezes.
Bom post, sem dúvida. Quanto a políticas de resposta... Bem... Pergunta quase retórica. De qualquer modo, a "economia de casino" em que assentam os mercados mundiais apresenta-se como um dos factores que, a meu ver, mais instabilidade gera. Nada escapa, nem mesmo os alimentos.
Caro JRV, tem toda a razão quando fala na "economia de casino", os exemplos que dei parecem-me bem ilustrativos sobre onde os investidores "apostam". E a pergunta que deixei no final tem um pouco que ver com isso, ou seja: é possível ou não o mercado regular-se a si próprio? Ou terá que haver uma regulação supra? É a questão que tem dividido o espectro político nas últimas décadas, mas que continua aí.
Caro Paulo, sinceramente não vejo como o corte das ajudas no âmbito PAC possa ter algum efeito relevante no contexto internacional. A discussão que pode ter lugar quando se fala da PAC e dos preços dos alimentos é a viabilidade de Doha.
Cumprimentos a ambos e obrigado por participarem neste pequeno brainstorming ;)
Caro Rui,
A europa produz hoje menos cereais que produzia na altura das maiores ajudas.
Tenho dúvidas se essa produção foi já substituída pelos países mais pobres, era no fundo a minha dúvida.
Caro Paulo,
Eu percebo bem onde quer chegar, mas como disse anteriormente, devemos antes discutir Doha. A agricultura subsidiada da PAC não pode ter lugar se Doha for em frente. É um processo lento e parece-me que a UE está a tomar os passos correctos no sentido de permitir que Doha vá em frente. Agora, como lhe disse Doha em si é que pode ser discutida e sinceramente ainda não lhe dei tempo e alguma reflexão para chegar a uma conclusão.
Caro Rui,
Completamente de acordo com a importância de se discutir Doha, assim como,com as intenções da Comunidade Europeia em diminuir os subsídios da PAC, se houver contrapartias a nível dos serviços.
O que estou a pôr em dúvida é a adequação das políticas de transição, que podem ter levado à fome e, consequentemente à morte, de quem se pretendia beneficiar.
A própria FAO tinha previsões nesse sentido.
De resto, penso que ainda não o fiz, quero dar-lhe parabéns pelo post.
Enviar um comentário