O cidadão pensou, hesitou e voltou a pensar, já que a decisão não era fácil e, sobretudo, seria inédita. Finalmente, a custo, decidiu-se: iria recorrer aos serviços de saúde de um hospital público, argumentando consigo mesmo que pagava impostos e o exame médico até era relativamente dispendioso. Confiante, telefonou para o hospital e veio a primeira contrariedade: afinal, não podia marcar o exame médico por telefone, teria de se deslocar ao dito. Está bem, minha senhora! Lá foi e a quase simpática menina recebeu a requisição e, nova surpresa, informou-o de que seria contactado posteriormente para “lhe dizer a data do exame”. Quando? “Daqui a uma semana”. Muito obrigado e boa tarde!
A semana passou e o telefonema não chegou. Pelo meio, pessoa amiga, sabedora da sua inexperiência, disse ao cidadão que iria falar com alguém, senão o exame ficaria para as calendas gregas. Muito obrigado mas não, porque o cidadão não gostava de “cunhas”. Orelhas moucas, uns dias mais tarde, a pessoa amiga noticiou-lhe que afinal o exame demoraria. O quê? Afinal sempre intercedera por si? Que sim e pedia desculpa, mas, como o cidadão não conhecia os meandros dos serviços públicos de saúde, temeu que, por causa da sua ingénua postura, a saúde do cidadão se debilitasse. Obrigado pela preocupação, o que vale é a intenção, etc, mas então o que falhara? A “cunha” não era boa? Já que chegaramos aqui, não seria boa ideia meter a cunha via Presidente de Câmara, Deputado, Secretário Regional ou, quiçá, através de Sua Excelência? Que não, que não! A cunha até era boa e eficaz. O problema era outro: dado o tipo de exame, estava em lista de espera. Oh, espantou-se o ingénuo cidadão, mas tinha ouvido dizer que não havia listas de espera. Que sim, senhor, era verdade, aqui na Região, segundo fontes oficiais, isso não existia, esses problemas só aconteciam no Continente, onde não sabem gerir a coisa pública. Não na Região, que ideia mais absurda! Na realidade, o problema era outro: estava em lista de espera por falta de doentes! O quê?!!! Então as listas de espera (que a Região, oficialmente, não tem) não existiam por excesso de doentes mas, antes, por falta deles? Que sim, que era verdade, e não, não era Kafka renascido, a verdade era que, neste oásis onde não há crise (segundo Sua Excelência), só existiam listas de espera por falta de doentes, nunca por excesso. Por isso, teria que esperar que existissem doentes para que a lista de espera atingisse o ponto de intersecção no qual deixaria de ser lista de espera por escassez para o ser por excesso e, aí, seria imediatamente atendido, para deixar de haver listas de espera. O cidadão não compreendia coisa tão simples?! Então o cidadão já não se lembrava da teoria da formação dos preços? Isto dos hospitais era parecido (it’s economics, stupid!).
Ainda aturdido, mal ouvindo a pessoa amiga, o cidadão telefonou, de imediato, para Lisboa (essa terra de negreiros), contactando o hospital privado a que recorria habitualmente, no tempo em que lá vivia, e marcou, telefonicamente, o respectivo exame médico, a realizar logo que o cidadão quisesse (ficou para as férias, felizmente próximas, já que as viagens aéreas não são baratas, como no Continente, porque, segundo as sábias palavras de um Secretário Regional, “...assim os açorianos sabem quanto pagam por cada viagem...”). O resto foi fácil, rápido e eficiente, como é óbvio.
Intimamente, o cidadão pediu desculpa a todas as pessoas que estavam na lista de espera por falta de doentes, por lhes ter aumentado o tempo de espera para entrarem na lista de espera por excesso de doentes, mas, certamente, estas entenderiam e, no seu lugar, fariam o mesmo, pois tratava-se da sua saúde, com esta não se deve brincar e ele até ia a Lisboa.
10 comentários:
Caro José,
perante tal exposição, apraz-me dizer; é o corporativismo no seu melhor.
Ainda ontem foi o dia mundial da Saúde, a deputada Piedade fartou-se de escrever conselhos sociológicos para chergarmos à velhice, parecendo que tudo funcionava bem e, pimba!, hoje levamos com uma experiência destas. O que dirá a Piedade? Descerá à terra?
Até parece que isto vem ao jeito do post do Pedro Lopes: trabalhar até aos 65 anos e depois é melhor deixá-los morrer, porque já não são produtivos e ainda querem receber reformas. Haja Saude!, como escrevia no OA a socióloga Piedade Lalanda, uma vez que prevenindo deixaremos de precisar daquilo com que não deveremos contar. Eu por mim vou deixar de comer aquilo que faz parte do meu nome!
Sr. José,
Eu tive a minha primeira experiência na urgência de hospital público há relativamente pouco tempo.
Inscrevi-me, esperei - não muito - e fui atendido com um "Diga!"... nem Boa tarde, nem nada, um simples "Diga!"... respondi... "Boa tarde, não percebi!", levantou a cabeça da secretária e respondeu "Boa tarde! Do que o senhor se queixa?". A consulta não durou mais do 3 minutos e lá saí eu todo contente com uma receita na mão. Dirigi-me ao balcão de atendimento para colocar a vinheta na receita e perguntei "Quanto é que devo?", do outro lado do balcão o funcionário olhou-me com cara de "está a gozar comigo?", insisti "quanto é que devo?", aí tive uma resposta "é de graça.", à qual retorqui "mas não tenho que pagar a taxa moderadora?", aí o funcionário diligente abanou com a cabeça com ar de quem não percebia o que eu estava a dizer.
É certo que realmente a consulta a que tive acesso não valia 1 cêntimo, mas isso são outras contas, mas porque razão não paguei taxa moderadora? Assim, é dificil ter um verdadeiro serviço nacional (regional) de saúde!
Por isso Sr. José não se admire com a triste história que conta das listas de espera por mais doentes!
Saudações
Sr. José,
Eu tive a minha primeira experiência na urgência de hospital público há relativamente pouco tempo.
Inscrevi-me, esperei - não muito - e fui atendido com um "Diga!"... nem Boa tarde, nem nada, um simples "Diga!"... respondi... "Boa tarde, não percebi!", levantou a cabeça da secretária e respondeu "Boa tarde! Do que o senhor se queixa?". A consulta não durou mais do 3 minutos e lá saí eu todo contente com uma receita na mão. Dirigi-me ao balcão de atendimento para colocar a vinheta na receita e perguntei "Quanto é que devo?", do outro lado do balcão o funcionário olhou-me com cara de "está a gozar comigo?", insisti "quanto é que devo?", aí tive uma resposta "é de graça.", à qual retorqui "mas não tenho que pagar a taxa moderadora?", aí o funcionário diligente abanou com a cabeça com ar de quem não percebia o que eu estava a dizer.
É certo que realmente a consulta a que tive acesso não valia 1 cêntimo, mas isso são outras contas, mas porque razão não paguei taxa moderadora? Assim, é dificil ter um verdadeiro serviço nacional (regional) de saúde!
Por isso Sr. José não se admire com a triste história que conta das listas de espera por mais doentes!
Saudações
Caro "Presunto de Chaves",
ou fui eu que não entendi o seu comentário a propósito do meu post, ou foi você que interpretou mal o meu post.
Eu nunca disse que uma pessoa com mais de 65 anos deixa de ser produtiva. Somente referi que, em Portugal, uma pessoa pode Legitimamnete passar à condição de reformado, e, como tal, ter Direito à sua pensão de reforma.
Até porque eu até defendo que, quem tiver mais de 65 anos, e não se quiser reformar, o possa fazer. E até há incentivos para estas situações. O meu post refere-se tão-somente àquilo que lá está escrito.
Perdoe-me se o interpretei mal, mas não quero, de modo algum, passar a ideia de que uma pessoa com mais de 65 anos está incapaz ou impossibilitada de trabalhar, se assim o desejar. E muito menos que lhe seja negada a sua pensão de reforma, e, ai sim, vitalícia.
cumprs.
Sr Pedro Lopes
Estamos em sintonia. O que eu quis dizer com a história dos 65 anos é que o Estado espera que não duremos muito para podermos gozar a nossa reforma. A referencia à sua pessoa foi-o apenas porque postou algo que pode ter ligação com o presente post. A minha brincadeira foi chamar a deputada Piedade e o seu artigo no OA, para ver se contribui produtivamente lá na ALRA para uma melhor velhice e não com meros escritos para dizer que existe. Tão só
mas afinal a história é verdadeira ou apenas um exercício Peessede para criticar César?
Caro anónimo
A história é verdadeira. Quanto ao mais, limitei-me a reproduzir o que efectivamente um Secretário Regional disse sobre o (exageradíssmo, digo eu e quem aqui vive)preço das viagens de avião e as contorções que o Presidente do governo faz para negar a existência de crise, mimético com o Primeiro-Ministro.
Relativamente ao hospital em questão, devo dizer que tem excelentes profissionais, como já pude constatar noutras ocasiões. No entanto, não poderia deixar de referir este caso precisamente por se tratar de um exame médico que poderá contribuir para a detecção de doenças potencialmente graves ou irremediavelmente fatais, se ão detectadas precocemente. Por isso, a indignação e o protesto pelos métodos meramente economicistas utilizados na gestão hospitalar. Somente isto!
Sempre me pareceu absurdo e quase demencial a atitude tipicamente portuguesa de "se não estás por mim, é porque és contra". Já uma vez fiz aqui a minha declaração de interesses, a propósito da elevação de vilas a cidades. Não tenho tempo nem paciência para tolices!
Volte sempre.
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