02 maio 2009

A Inquisição e a Justiça

Foi no século XVI, e através de solicitação do monarca D. João III, ao Papa Paulo III, que é instituída, por bula papal, a Santa Inquisição em Portugal. Esta, não passava de um Tribunal Eclesiástico, ou do Santo Ofício, gerido pela Coroa nacional, e que tinha como principal objectivo controlar os hereges e infiéis. Não era por acaso que o inquisidor mor nessa época, era D. Henrique, irmão de D. João III, encarregue da execução dos autos-de-fé.
Foi uma época de enormes barbaridades, em que o recurso à tortura, para conseguir uma confissão do denunciado, era prática comum e com requintes de malvadez extrema.
As penas eram variáveis, mas a mais dantesca era sentença que condenava o suposto herege, a ser queimado vivo numa fogueira, e em praça pública.

Nos dias que correm, felizmente que tais actos estão a séculos de distância, e que práticas tão medonhas, são somente parte da História da Igreja Católica e dos reinos que a ela se subordinavam.

Mas se os Estados modernos são laicos, já no que toca à administração da Justiça - e aos seus actores e executores -, esta parece continuar a ser alvo de um controlo apetecível por parte da “coroa” dos tempos modernos. Subsistem verdadeiros atentados ao princípio da separação entre poder político e judiciário. Só para citar alguns exemplos mais recentes e mediáticos; temos o responsável pelo sindicato dos magistrados do MP a revelar haver pressões para um arquivamento do “caso Freeport”; a colocação no conselho superior do MP do irmão do, então, Deputado e Arguido, Paulo Pedroso; a tentativa de equiparação dos magistrados a “simples” funcionários públicos; o próprio “caso Maddy”, etc. Dos que mais me escandalizou nos últimos tempos, encontra-se a alteração do artigo 30, na sua alínea 3, do Código Penal - aquando da recente revisão do mesmo -, e que foi efectuada enquanto durava (dura) o processo “Casa Pia”. Esta alteração vai contra as vítimas, beneficiando largamente, digo, escandalosamente, os agressores sexuais, que, assim, vêem as suas penas substancialmente reduzidas no caso de crime continuado contra a mesma vítima.

A Justiça é um bem, um Direito inamovível, e indispensável numa sociedade. A sua autonomia é um dos maiores ganhos das democracias modernas e um garante da sua continuidade. Quem atenta contra a Justiça, atenta contra os cidadãos, a sociedade e a própria Democracia.

Os Tribunais, e quem lá trabalha, não têm merecido a atenção e cuidado que lhes é devido. Os relatos de agressões e desrespeito para com os magistrados são cada vez mais recorrentes. Não são raros os roubos de caixas multibanco que se encontram dentro das instalações dessas sedes da justiça. E hoje, mais um episódio que demonstra a incúria e desleixo com que as instalações onde se administra a justiça são tratadas. Conferir Aqui.

A justiça já está informatizada, tem o Habilus e as suas habilidades e imperfeições. Mas a protecção dos cidadãos não passa por meros avanços tecnológicos nessa fulcral área, passa, sobretudo, pela dignificação e manutenção de um estatuto diferenciado e autónomo para os magistrados, e por uma protecção conveniente e eficaz dos que lá trabalham e dos processos que estão a seu cargo.

Já não se queimam pessoas em praça pública – graças a Deus -, mas o Legislador tem queimado em praça pública (e não só) a Justiça e os seus agentes, em sucessivos “autos-de-fé”. Hoje foram só processos queimados, originando a perda de muito trabalho (logo documentos e dinheiro) e, quiçá, comprometendo, uma vez mais, que a justiça se cumpra com Rigor e Verdade.

Quem será o padre António Vieira, da contemporaneidade?

7 comentários:

Toupeira Real disse...

HABILUS:
Segundo Joaquim Delgado, “quem não souber do ofício não consegue trabalhar com a aplicação”, capacidade igualmente necessária para compreensão das constantes mudanças da lei e adaptações do sistema.

OUVI DIZER QUE É EXACATAMENTE AO CONTRÁRIO. HOJE JÁ NÃO É PRECISO SABER AS LEIS PARA TRABALHAR NUM PROCESSO. BASTA IR À APLICAÇÃO INFORMÁTICA E SEGUIR OS PROCEDIMENTOS (DIZEM QUE CHEIOS DE ERROS, NATURALMENTE PARA A ATRIBUIÇÃO DE NOTAS SER DIFERENCIADA AOS FUNCIONÁRIOS).


CAIXAS MULTIBANCO:
Enganou-se, meu caro: Não há assaltos a caixas multibanco nos Tribunais... pela simples razão de que o Ministro da Justiça as mandou retirar!

ART. 30º CÓDIGO PENAL:
Obviamente que o meu caro está a ser mauzinho e não percebe nada destas coisas. Então não se está mesmo a ver que o que se pretende é a ressocialização dos criminosos. Como ensinou Rousseau, o Homem é naturalmente bom e se há algum que sai dos padrões normais deve-se à sociedade, essa corruptora de carácter, pelo que devemos todos contribuir para que aquele que se desviou do padrão, volte o mais rapidamente possivel ao seio da comunidade. As vítimas? Nada que não se resolva com uma operação cirurgica para remoção de um sinalzinho para passarem a ter o estatuto de perturbadores da ordem púbica, logo, não merecedoras de qualquer tipo de crédito ou protecção, porque, obviamente, são mentirosas e os mentirosos devem ser castigados.

PODER EXECUTIVO ESMAGA PODER JUDICIAL:

Isso só acontecia no tempo do "fassssista" Salazar. A democracia socretina preocupa-se apenas com o bem estar dos cidadãos. Se não houver processos em Tribunal é sinal de que a sociedade (composta por homens naturalmente bons) é ordeira e quando se vive na "pax socialisticae" todo o homem é feliz e quem é feliz vive numa sociedade intrinsecamente Justa, onde o Grande Farol é a própria Justiça.

Assim, você, caro Pedro, está a atentar contra a honra do nosso Glorioso Governo e, principalmente, do Grande Farol. Por isso merece ser submetido ao Tribunal da Santa Inquisição.

Sociólogo Frustrado disse...

Claro que o Pedro não percebe de ciência, porque se percebesse, já teria compreendido que a alteração ao art. 30º do Código Penal só foi feita após uma consulta a diversos urologistas. Por estes foi dito que a "acção" que o Viagra proporciona faz crer à Ciência Médica que só se poderia estar perante o cometimento de um único crime. Hoje não se pode dissociar o Direito das restantes ciências, daí que o nosso Legislador tenha acompanhado o correr dos Tempos.
Além disso, caríssimo, tem de se lembrar da paideia. Os senhores da Casa Pia apenas seguiam as tradições ancestrais, certo?

pedro lopes disse...

Caro Toupeira Real,

quanto ao Habilus, estamos conversados. Ou seja, facilita-se o trabalho aos menos competentes, em prol da "diferenciação".

No que toca à mais que evidente falta de segurança nos Tribunais, vejo que o Ministra da justiça optou pelo caminho mais fácil e cómodo.....para ele, claro está.
Em lugar de dotar as "Casas da justiça" de melhores e eficazes meios de segurança, preferiu, antes, afastar o fruto da cobiça alheia. Mais uma vez, atalhou caminho, fazendo uma "queimada".

Quanto ao resto do seu comentário, e como aprecio a sua fina ironia, nada tenho a acrescentar......a não ser, talvez, louvar o facto de a minha eventual "queima" não ser levada a cabo em praça pública. ;)

pedro lopes disse...

Caro Sociólogo Frustrado,

as suas considerações "sociológicas" - ou devo dizer, ciêntifícas -, deixam-me deveras preocupado. Mas, claro que o Legislador fez muito bem em consultar os urologistas, pois por obrigação profissional, estão acostumados a fazer o teste da próstata....

Talvez a referência à Inquisição, o tenha transportado a tempos ancestrais, como refere. Bem, a si e ao Legislador.

Voto Branco disse...

Caro Pedro,
Por acaso alguém falou da absolvição dos rapazes da Casa Pia que o Sr. Paulo Pedroso acusou de o difamarem? Falaram? Hummmmmm, bem me parecia que não...
A "corja" que trabalha nos tribunais é que não quer fazer nada, são todos uns "malandros", bando de "incompetentes", em vez de aproveitarem o fim de semana prolongado, deviam fazer turnos de segurança aos tribunais... vamos lá a ser "pró-activos"!
O Sr. Habilus é ser mutável, tão mutável que daqui a nada vai se chamar o Hulk da Justiça, tal é a força dos seus atributos!
Com o Habilus/Citius esses preguiçosos da justiça é que não vão fazer nada... como lhes tiraram a "mama" dos dois meses de férias, inventaram uma forma de os compensar... o que eles querem sei eu...
Lembram-se daquele anúncio: alguém pediu um Porto Ferreira? Agora vai ser alterado para: Alguém sabe o que é um DUC?
Saudações

Pedro Lopes disse...

Caro Voto Branco,

pelo que posso constatar, o "pessoal" que trabalha com o Habilus, não vê nele somente aspectos positivos, apontando-lhe inúmeras falhas.

Quanto aos processos de difamação movidos por Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e Jaime Gama, todos eles foram arquivados. Desconheço as razões, mas posso daí aferir que os Tribunais não consideraram que os, eventuais rapazes sexualmente abusados, não agiram de má fé e por pura difamação.

Quanto ao resto, "cada cabeça, sua sentença".

Quanto ao DUC - documento único de cobrança, eu, pelo menos, espero não ter de me confrontar com ele. O acesso à justiça começa a ser, também, um luxo, quando é, por definição, um Direito.

Talvez as estatísticas estejam, novamente, na base desta nova Lei das custas processuais. Será?

Cumprimentos

Voto Branco disse...

Caro Pedro,
Agora um pouquinho mais a sério. Toda a gente fala no Habilus e no Citius mas por acaso alguém falou que as referidas aplicações foram criadas por Oficiais de Justiça?
Para dizer mal dos funcionários públicos a comunicação social e o nosso governo estão sempre prontos, mas para enaltece-los ninguém dá a cara...
Saudações

P.S.: Sim, eu sou funcionário público!