26 dezembro 2009

Culturalmente Menores


O Vítor Marques, no seu Açores 2010, revela números*, de certa forma, preocupantes quanto à adesão da população à “cultura”. Segundo ele, em 2007, 54.8% dos portugueses não foram uma única vez ao cinema, 42% não assistiu a um único espectáculo ao vivo, 56% não visitou museus ou galerias de arte e 56% não leu um livro.

Desconheço por completo a origem destes números, pois se ainda é relativamente fácil encontrar estatísticas sobre idas ao cinema, já sobre livros parece-me altamente duvidoso e, pior ainda, sobre espectáculos ao vivo. No entanto, acho que consigo perceber a interpretação que o Vítor faz dos números, principalmente devido ao título do post.

Para mim, no entanto, a questão é outra e é simples: esses números abrangem, por exemplo, concertos de filarmónicas, espectáculos de ranchos de folclore, concertos de grupos de música popular? Eu arrisco a responder: não, certamente que estes espectáculos não entram naquelas estatísticas. Logo, e seguindo a lógica presente no título do post do Vítor Marques, equivalem a ignorância.

Mas será assim? O que é a “cultura”, afinal? Quem define o que é, ou não é, “cultura”? Que critérios norteiam essas escolhas? Um nórdico que canta aos gritinhos e usa camisolas pretas de gola alta é “cultura”? O rancho folclórico da minha Freguesia a actuar na Casa do Povo não é “cultura”? Sendo assim, de facto, “cultura” deve custar mesmo muito.

A conclusão é óbvia: a “população” (povo é muito comunista) deverá aceitar e pagar a “cultura”, uma vez que é para o seu próprio bem, para combater a sua ignorância. Os que sabem o que é “cultura” vão-lhes mostrar o caminho, sem pedirem (quase) nada em troca. Só que, infelizmente, vivemos numa sociedade que ainda permite que a “população” escolha consumir a “cultura” que entende.

Ainda temos um longo caminho a percorrer em relação à “educação cultural” da “população”. Mas nem tudo são más notícias, porque para nossa sorte haverá sempre um punhado de altruístas entendidos na matéria prontos a indicarem-nos o bom caminho. O primeiro passo está dado: colocámos estes altruístas em directores das casas de espectáculos, dos museus, das instituições de divulgação do bom cinema. Agora falta o resto: legisle-se para obrigar as populações a irem assistir a tudo, poderão não gostar no começo, mas depois .... bem depois, uma coisa será certa, teremos um futuro radioso culturalmente.

* O post em questão não apresenta informações vitais em relação aos números, como a fonte, ou o universo. Deste modo, concluí que se tratam de totais nacionais. Se não for assim, apresento, desde já, as minhas desculpas, adiantando, porém, que sou totalmente alheio a esta falha.

6 comentários:

Vitor Marques disse...

Caro Rui os dados são INE e podem ser consultados aqui http://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=80630662&att_display=n&att_download=y

Maria Brandão disse...

Este post dá "pano para mangas"... Há, de facto, um preconceito em relação à cultura popular por oposição à dita "alta" cultura. No entanto, o maior problema é, como comentei no 2010, a falta de vontade de investir na educação base das pessoas. É muito difícil pôr alguém que não conhece as regras básicas de higiene, por exemplo, a ver um bom filme, isto apesar de todos terem TV (que, por sua vez, nos canais genaralistas, só contribui para descer a fasquia cultural). Enfim, como tu próprio dizes, ainda temos um longo caminho a percorrer em relação à “educação cultural” da “população”. Mas isso parece não ser conveniente. Infelizmente.

Pedro Lopes disse...

Rui, de facto a palavra "cultura" tem, desde logo, duas conotações: uma mais sociológica e outra que se refere a manifestações de interesse cultural, numa base de lazer, contemplação e aprendizagem.

Ao ler o título do post do Victor Marques, este pareceu-me algo presuçoso, mas logo me dei conta que a frase não é dele, pois seguindo a indicação do asterisco, pude aperceber-me que, "segundo o Maestro Graça Moura, tal frase encontra-se escrita nos autocarros públicos de Singapura".

Adiante; o curto post do Victor M., sem a necessária referência à fonte de tal informação, pode originar reacções díspares e confusas. A tua reacção é legitima, pois sabemos que uns quantos pseudo iluminados pensam poder ditar regras sobre quais as manifestações culturais que merecem ser apelidadas de "Cultura".

Depois do Victor M. ter identificado a fonte e de eu ter lido parte (não tudo, pois são 250 páginas) do "Estatísticas da Cultura 2008", tirei algumas ilações, tais como, por exemplo, lá estar contemplado as Regiões autónomas, facto que para mim não era claro anteriormente.
Também algumas manifestações culturais apelidadas de "populares", como o folclore, fazem parte das estatísticas.
Também pude verificar, por exemplo quanto ao número de espectadores de cinema aqui nos Açores, que o quadro inc«dicava umas meras 600/700 pessoas, número que me parece claramente deflectido.

Entre outras informações que lá constam, percebe-se que - como é normal nestes casos - tais números advêm de um misto de uma amostragem de pessoas entrevistadas, e de determinados factores que estão anteriormente pré-determinados e que se regulam pelos padrões aceites pelo Eurostat. Logo, estes números vakem o que valem. Não podem nunca ser tidos como a realidade do que se passa no país em termos considerados fiáveis.....pelo menos para mim, e daquilo que extrai das páginas que li e das explicações e considerações que lá se encontram.

Não conheço o Victor Marques, mas pelo teor do seu blog posso perceber sem dificuldade que é uma pessoa ligada à cultura (nos moldes em que ele a define) e que se mostra preocupado pelos baixso índices de aculturamento da nossa sociedade. É uma preocupação ligitima, e que eu em parte partilho, mas talvez com um enfoque maior na litracia que me parece preocupante.

Mas - regressando ao tema do post -, aquilo que constato, é que nos últimos anos tem havido uma enorme e variada oferta cultural nos Açores, muito especialmente em S. Miguel, que o deveria deixar feliz e mais aliviado.....ao Victor e a nós, que dela queiram beneficiar.

O mesmo anuário do INE deixa claro que as autarquias dos Açores são das que menos investiram em cultura no último ano.....mas depois de um "boom" tão grande nos últimos anos, não creio que isso seja sinal de alarme.

Quanto à "medição" ou catalogação do que é ou não "cultura maior" (se é que isso existe), concordo contigo, Rui.
Cada um "bebe" da cultura que quiser e mais lhe interessar. É da variedade e diversidade de escolha e manifestações culturais, que uma sociedade no seu todo se enriquece. Sei, por exemplo, que muitos jovens aprendem música porque têm na sua freguesia Bnadas Filarmónicas, e que muitos se alegram ao som do Micael Carreira, desdenhando qualquer ópera ou bailado clássico que se lhes seja apresentado. Muitos adoram a Paula Rego, outros há que preferem a Inês Pastor. Muitos adoram exposições de louça chinesa do sec. IV, enquantos outros se deleitam com a louça da Lagoa. No carnaval há quem prefira atirar limas e sacos de água, enqunto noutros locais preferem arremessar flores ou tomates.

Não transformemos a cultura numa coisa uniforme e com fronteiras rígidas e pré definidas.....e definidas por quem? E porque razão?

Em suma, e na minha modesta opinião, uma boa e exigente educação é essencial para que se façam escolhas mais amplas e diversificadas. Mas nos gostos e prazeres de cada indivíduo, não pode haver alguém que se aproprie da liberdade de escolha alheia.

Carlos Faria disse...

É um tema complicado e delicado.
Efectivamente não podemos confundir cultura com mero lazer ou prazer fácil, mas também não podemos considerar que se dá prazer ao povo não é cultura e nem se deve impor o que provoca tédio e tortura, mesmo que tal seja por falta de algum tipo de formação dos destinatários.
Na realidade, a cultura deve levar à reflexão com algum prazer sobre a sociedade e o indivíduo, podendo radicar-se nas nossas tradições (popular) ou ser mais académica ou construída (mais elitista) em ambos os casos devem enriquecer a pessoa e a sociedade.
É verdade que existem ainda grupos que julgam que só uma dose de hermetismo e de contestação de difícil leitura é cultura, mas tal também tem muito que se diga.
Penso que nos Açores as coisas não estão tão mal assim, existe uma intensa actividade cultural, tanto popular como mais elitista, embora haja muitas coisas ainda por fazer, mas também a cultura chinesa não impera no norte da europa e lá por isso os chineses não chamam incultos aos nórdicos, cada um tem formas de expressão cultural diferentes e estas não tem de ser universais.

ZEZE disse...

E que tal se os governos se preocupassem efectivamente com a cultura? Era necessário fazer se um trabalho de base junto dos mais novos por forma a que eles participem e sejam promotores de cultura, independente da forma desta. Penso que os numeros apontados nesta estatistica do INE refere-se a assistência a espectaculos de cinema, teatro, exposições, etc... Ou seja, àquilo a que infelizmente, grande parte da nossa população, não vai. Uns porque não foram, não estão e nunca estarão habituados a ir, outros, porque não TEEM DINHEIRO para ir a estes acontecimentos culturais. É preciso perceber as condições economicas dos portugueses para melhor compreender o seu acesso a alguns bens culturais. Nesta questão, aplica-se perfeitamente a frase de Sébastien-Roch Chamfort:"A sociedade é composta por duas grandes classes:
aqueles que têm mais jantares que apetite
e os que têm mais apetite que jantares"

Rui Rebelo Gamboa disse...

Perante a riqueza dos comentários, resta-me apenas agradecer a vossa disponibilidade e paciência em partilharem as vossas opiniões.