14 novembro 2010

Pais e filhos ao espelho

Ontem tive um ataque de fúria, numa reunião de pais de alunos que irão fazer a sua viagem de finalistas. Ou seja, alunos que, no próximo ano, irão frequentar uma qualquer Universidade e, credo!, um dia governar-nos.

E a fúria adveio porque alguns pais (felizmente uma pequena minoria), mais do que provavelmente incapazes de controlar a sua descendência ou, no mínimo, de a responsabilizar, tentava, quase em desespero, que uma outra aluna, menor, assumisse essa função relativamente às suas crias, não percebendo que ou as crias não são confiáveis e, portanto, não deverão ter rebuçados, ou, o que seria mais aconselhável e não havendo outra forma, deveriam eles próprios, adultos, vigiá-las.

A aluna, com um sentido de responsabilidade bem mais apurado do que a pequena turba sénior, respondeu a todas as questões que lhe colocaram da forma exacta que elas mereciam, imputando, como é óbvio, quaisquer responsabilidades por actos ou omissões para quem as praticar e respectivos progenitores, tal e qual como ela assumia as suas, como os seus pais a tinham ensinado.

Parecia, pois, uma premissa simples. Para a aluna, era-o. Para mim, também. Mas não para aquelas criaturas, eventualmente incapazes de se fazerem respeitar. Explodi! E duma forma tão descomedida que, confesso, fiquei de raciocínio toldado. Mas quem não ficaria?!

Aqueles procriadores, alguns com "formação académica adequada", pareciam não compreender que eles são os primeiros responsáveis pelas respectivas crias e por aquilo que elas fizerem. Berrei-lhes a evidência de que a escola serve para ensinar e a família para educar. Parecendo não compreenderem, ainda invoquei os tempos actuais da prática política de desresponsabilização como não sendo aquilo que a família ensinou à aluna. Em vão.

Sedentos de sangue, e sem introspecção suficiente para compreenderem a distinção, queriam que a aluna delatasse práticas menos próprias de colegas. Foram devidamente remetidos para casa, a fim de questionarem as crias, com um "Bufaria, não! Pelo menos esta aluna não o fará porque não estamos na terra de Chavez, o amigo do senhor Sócrates, ou na antiga União Soviética ou no tempo de Salazar!", o que, para eles, lhes terá parecido frase exótica ou de lunático ou ambas.

Por acaso, pensando bem, até acho que estamos, tal a pressão socio-política para que os cidadãos denunciem outros por actos que compete ao Estado vigiar, prevenir e averiguar. Mudando o paradigma, o Estado, ao demitir-se do exercício exclusivo de algumas funções soberanas, lançou-se nas mãos do justicialismo popular, afinal o que estas criaturas tanto tentavam alcançar, cumprindo roboticamente aquilo para que foram programadas.

Quer-me parecer que, por não alinhar na norma, passei a ser visto como um perigoso terrorista e a aluna como uma grandessíssima besta que desconhece as tendências modernas da educação que a senhora ministra tão eloquentemente exemplificou, há dois meses.

Eu vivo bem com o estigma. Ao que sei, a aluna também. Se a acefalia actual convive bem com a inversão de papéis e com a ausência de valores, quem somos nós para a contrariar, sobretudo quando há sempre um lobotomista de serviço?

3 comentários:

Anónimo disse...

Temos que nos juntar para formar uma Associação Parental Conservadora Açoriana (a A.P.C.A.)...infelizmente esta malta endossou as responsabilidades às escolas que são agora mega secretarias burocratizadas. Se lhes vai com esse discurso logo lhe respondem que tem uma "personalidade rígida" e um "déficit de competências".
...
Quanto a essa e outras Fúrias recomendo a inscrição num desporto de combate. Garanto que ajuda.
...
Entretanto pode ler a "Fúria" de Rushdie que é um delícia :
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u33134.shtml
Saudações Açorianas.
JNAS

Menina da Rádio disse...

Ter 2 dedos de testa às vezes custa...

Anónimo disse...

neste caso não se pode aplicar BEM o ditado popuçar "casa onde não há pão, toso ralham, nigume tem razaõ". aqui talvez se devesse aplicar mais ... "se queres pão, trabalha".
savrega