A primeira vez que o vi, num fim de tarde, com a família a caminho da piscina, já lá vão cerca de 10 anos, vestia um fato negro, sobre uma camisola encarnada, de gola alta, chamando a atenção pelo seu porte aristocrático, devidamente confirmado pelo passo firme de quem sabe estar onde quer que seja, e, sobretudo, pelo que qualifiquei, nesse momento, de excentricidade, o acenar a todos os carros que circulavam na Avenida do Restelo, perto da paragem de autocarros, em frente ao cruzamento com a Rua Duarte Pacheco Pereira. Não liguei, mas ficou na memória.
Com o tempo, habituei-me à figura, ao aceno e ao sorriso franco e largo. E comecei a buzinar e a acenar. E a sorrir. Mais, sempre que não era dia de piscina, passei a fazer um pequeno desvio no caminho de casa, e, logo que entrava na curva no início da avenida, vindo da Avenida das Descobertas, instintivamente olhava para a esquerda em busca da sua figura, iniciando o toque da buzina até que obtinha a sua atenção e o respectivo aceno. E a bondade do sorriso. Era um lenitivo, fazendo-me sentir bem, após mais um dia de trabalho, no meio de tanta gente que girava em torno de si própria.
Falei com ele apenas uma vez, num momento de incentivo da inocência sagaz da minha filha mais velha, que lhe quis oferecer uma caixa de chocolates porque ele devia "sentir-se muito só". Agradeceu, com um sorridente "Olá", o gesto da "bonita menina", rodopiando imediatamente para agradecer mais um toque de buzina. Nunca mais falei com ele, mantendo apenas a cumplicidade da buzina e do mútuo aceno.
Mesmo sabendo por amigos que, à noite, se passeava no Saldanha, distribuindo a sua generosidade, sempre que regressava a Lisboa, procurava vê-lo no mesmo local do Restelo, a caminho de casa. Logrei-o algumas vezes, com o mesmo conforto de sempre.
Perdi-lhe o rasto e, no último Verão, não o tendo visto, supus o seu passamento.
Soube hoje que aconteceu anteontem. A Lisboa anónima soube homenageá-lo. Eu soube finalmente o seu nome: João Manuel Serra. Da sua solidão, fez a felicidade cúmplice de milhares, dando-nos, a partir de um gesto simples, uma lição de humanidade.
Com o tempo, habituei-me à figura, ao aceno e ao sorriso franco e largo. E comecei a buzinar e a acenar. E a sorrir. Mais, sempre que não era dia de piscina, passei a fazer um pequeno desvio no caminho de casa, e, logo que entrava na curva no início da avenida, vindo da Avenida das Descobertas, instintivamente olhava para a esquerda em busca da sua figura, iniciando o toque da buzina até que obtinha a sua atenção e o respectivo aceno. E a bondade do sorriso. Era um lenitivo, fazendo-me sentir bem, após mais um dia de trabalho, no meio de tanta gente que girava em torno de si própria.
Falei com ele apenas uma vez, num momento de incentivo da inocência sagaz da minha filha mais velha, que lhe quis oferecer uma caixa de chocolates porque ele devia "sentir-se muito só". Agradeceu, com um sorridente "Olá", o gesto da "bonita menina", rodopiando imediatamente para agradecer mais um toque de buzina. Nunca mais falei com ele, mantendo apenas a cumplicidade da buzina e do mútuo aceno.
Mesmo sabendo por amigos que, à noite, se passeava no Saldanha, distribuindo a sua generosidade, sempre que regressava a Lisboa, procurava vê-lo no mesmo local do Restelo, a caminho de casa. Logrei-o algumas vezes, com o mesmo conforto de sempre.
Perdi-lhe o rasto e, no último Verão, não o tendo visto, supus o seu passamento.
Soube hoje que aconteceu anteontem. A Lisboa anónima soube homenageá-lo. Eu soube finalmente o seu nome: João Manuel Serra. Da sua solidão, fez a felicidade cúmplice de milhares, dando-nos, a partir de um gesto simples, uma lição de humanidade.
Sorria sempre, senhor do adeus!
2 comentários:
Para muitos açorianos que estudaram em Lisboa aquele "adeus" significava mais do que um simples gesto... Era uma ligação de proximidade que lembrava as nossas freguesias e chegava até a lembrar um pouco do que é andar na nossa terra.
Agradeço a parte que me tocou... Que descanse em paz!!!
Para além de ser humano, e sempre se lamenta mesmo que não se conheça, vim a saber que ele era adepto do Benfica e frequentava com frequência o estádio. Este é apenas um comentário lateral de quem não o conheceu e não percebeu a importância sentimental que ele tinha para tanta e tanta gente. Parece que era uma pessoa com algumas posses e vivia feliz sem ter necessidade de trabalhar. Que descanse em paz.
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