29 novembro 2012

O Fim das Lajes - Do declínio do Ocidente a favor do Oriente



Barack Obama foi reeleito Presidente dos Estados Unidos e como tinha prometido vai cortar na despesa com a Defesa. Consequentemente, a presença militar dos americanos nos Açores vai ser reduzida em muito. Dos actuais 800 militares americanos que estão estacionados nas Lajes, passar-se-á para 160. Já os 300 trabalhadores açorianos que trabalham directamente para a Base das Lajes certamente serão reduzidos a zero. Como é evidente e como já foi amplamente falado, isto terá um efeito devastador para a economia da Praia da Vitória, em primeiro lugar, para a economia da ilha Terceira, em segundo lugar e finalmente para a própria economia dos Açores.

Várias questões se levantam perante este cenário. Desde logo, temos que compreender e aceitar que a Base das Lajes, tal como tantas outras que os americanos têm espalhadas pelo mundo, faz parte de uma doutrina imperialista de domínio do mundo por parte dos Estados Unidos. Bases como a das Lajes servem, ou melhor, serviram, para projectar o imenso poder militar americano sempre que foi necessário e assim proteger um modo de vida do qual nós, europeus, também beneficiamos. É assim há muito tempo. E há muito tempo que quase toda a gente, da direita à esquerda, mas principalmente à esquerda, criticam fortemente esta atitude imperialista norte-americana. Criticam mas aproveitam os seus benefícios. Nos últimos 75 anos, os Estados Unidos estiveram presentes, pela calada, em quase todos golpes de estado ou guerras civis que aconteceram pelo mundo, de modo a terem governos que estivessem nas suas mãos e terem acesso às principais matérias primas, nomeadamente o petróleo. Foi assim que os Estados Unidos se impuseram no mundo e se tornaram a maior potência económica e militar do mundo, trazendo a Europa a reboque. Como Robert Kagan disse, os americanos são de Marte e os europeus são de Vénus (a rever a minha análise ao excelente ensaio de Kagan, O Paraíso e o Poder)

Aliás, há bem pouco tempo, os Estados Unidos invadiram o Iraque, sem justificação legal, usando a Base das Lajes como ponto de partida. Mais, na sequência da chamada guerra contra o terrorismo, a Base das Lajes serviu de ponto de passagem para o transporte de presos políticos que acabaram por ser vítimas de tortura, alguns deles, sabe-se hoje, alguns eram inocentes. Ou seja, quem defende os direitos dos trabalhadores da Base das Lajes ou quem critica esta redução do número de militares naquela Base, tem que ser também a favor da doutrina imperialista americana. Porque a existência da Base das Lajes serviu para o imperialismo militar americano. Portanto, era importante esclarecer esta incoerência em que caem quase todos comentadores e políticos em Portugal e nos Açores. 

Por outro lado, há muito tempo que se prespectivava um cenário de redução drástica dos americanos nas Lajes. Com o avanço da tecnologia, é possível hoje em dia comandar-se um esquadrão de aviões de combate a partir de um computador em qualquer gabinete nos Estados Unidos. Além do mais, desde a queda do Muro de Berlim e do subsequente fim da Guerra Fria que o centro geográfico das relações internacionais se tinha deslocado do Atlântico para o Pacífico. Aliás, não é por acaso que os americanos deixaram simplesmente de pagar por estarem na Lajes a partir de 1996. A este propósito, já agora, gostávamos de saber quanto é que os Açores valeram a Portugal durante estes quase 70 anos em que os americanos ocuparam as Lajes e quanto desse dinheiro chegou aos Açores. Uma questão que nunca foi esclarecida.

Agora, olhando para o futuro, o que se vê é que os Estados Unidos já não são de todo a potência hegemónica que foram até aqui. Em termos militares até ainda podem ser, mas em termos económicos já não são. Hoje em dia é a China que domina o mundo. Estão a fazer uma invasão silenciosa económica com enorme sucesso em todo o mundo. Agora resta saber quando é que a China investirá na área militar e assim subsituirem-se aos Estados Unidos como a potência económica e militar do mundo. E neste contexto, não podemos deixar de estranhar a passagem do primeiro ministro chinês precisamente pela ilhaTerceira em meados de Junho passado. Nada é por acaso.

É que, apesar de tudo, nós partilhamos de uma herança identitária com os americanos, pelo que a sua estadia nos Açores sempre foi pacífica. Já com os chineses, não temos nada em comum. Se os Estados Unidos acabarem por assumir o fim da doutrina imperialista que tiveram até hoje, ficaremos a perder de duas maneiras: desde logo, e como se vê, com a perda da dinâmica económica que davam à região com a sua presença nas Lajes e a médio/longo prazo perderemos também o nível de vida que estávamos acostumados. A riqueza passará do Ocidente para o Oriente. Aliás, já está a passar. Esta crise é apenas o começo do declínio do Ocidente a favor do Oriente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Rui Rebelo
No essencial concordo com o seu comentário, mas não posso deixar de reparar que não é forçoso que quem está ao lado dos direitos dos trabalhadores das Lajes esteja de acordo com os ditames dos militares Americanos, talvez fosse muito honroso os trabalhadores Portugueses terem sido objectores de consciência e não terem aceitado servir na base, mas seria exigível que pessoas "normais" pudessem ou quisessem ter estes elevados princípios anti bélicos?
Por outro lado, formalmente as funções dos Portugueses na Base são essencialmente civis, e noutro contexto não ofereciam as reservas que justamente oferecem.
Em termos sindicais existem direitos e obrigações a respeitar, até reforçados pelo facto disto poder constituir uma jogada para diminuir custos e não para deixar de ter um "porta Aviões fixo no Atlântico" sobretudo se houver qualquer hipótese dos Chineses ou outros quaisquer, mostrarem interesse em os substituir.
Quanto ao ter ou não nada em comum, neste mundo globalizado funcionam mais os interesses do que as afinidades, se exemplos faltassem os negócios de Passos,Gaspar, Portas e Borges, estão aí para afirmar esta realidade.
Bom post para entender a realidade da situação geo-estratégica dos Açores e as dinâmicas de desenvolvimento económico, politico e diplomático para os Açores do Século 21.
Parabéns e saudações
Açor