27 agosto 2013

Ataque com Armas Químicas na Síria, ou as ADM no Iraque e Tomkin no Vietname?

O discurso dos EUA, pela voz de John Kerry, endureceu bastante e parece que estão preparados para uma intervenção na Síria, na sequência de um ataque com armas quimicas por parte do Presidente Bashar El Assad contra a população civil. Kerry não tem dúvidas quanto à responsabilidade do ataque, mas afinal não é assim tão claro que tenha sido mesmo El Assad a usar armas quimicas. Apesar de ser um ditador brutal, tolo não é de certeza, pelo contrário, é bastante esperto. Ora, se tem vindo a recuperar terreno na luta contra as forças resistentes e sabendo que um ataque desta natureza levaria a uma reacção da comunidade internacional, dificilmente se concebe que El Assad cometesse tamanha estupidez. Pelo contrário, há quem não tenha dúvida que este ataque foi cometido pelos próprios rebeldes, com o apoio dos EUA. Entretanto, uma missão da ONU foi enviada ao local para confirmar as informações, mas foi recebida com um ataque de snipers, tendo sido cancelada.

A confirmar-se que, de facto, o ataque foi obra dos rebeldes e não das forças de Bashar El Assad, não se pode deixar de revisitar a História recente. O famoso caso das armas de destruição em massa que, supostamente, o regime de Saddam Hussein tinha. Na altura o engodo foi toscamente elaborado e rapidamente descoberto, mas permitiu a entrada das tropas americanas (formalmente internacionais) no Iraque, numa guerra que, destronou um terrível ditador, mas que destruiu um país e que, desde então, é uma mina de ouro, regulada à lei da bala, para vários interesses americanos, desde o complexo militar, à reconstrução de valências, ao petróleo, às forças de segurança privadas e até ao tráfico de obras de arte.

Espera-se que os EUA tenham razão, por razões óbvias de seriedade e honestidade, mas há muitos indícios que demonstram que este ataque com armas químicas poderá ser, no fundo, um motivo elaborado para poderem intervir num país onde têm interesses claros. Antes das ADM no Iraque, tinha sido no Vietname, com o "ataque" ao USS Maddox no Golfo de Tomkin, que também se veio a comprovar como elaborado pelo EUA, como admitiu Robert McNamara no genial documentário The Fog of War, para permitir a intervenção americana naquele país.

Será Obama tão diferente de Lyndon Johnson, Richard Nixon ou George W. Bush? Não terá sido eleito com, basicamente, os mesmos apoios financeiros (que, regra geral, apoiam ambos os candidatos presidenciais nos EUA)? 

Uma intervenção na Síria derrubará um ditador sanguinário, mas, geralmente, aqueles que se seguem conseguem ser sempre piores e deixam caminho livre para os interesses ocidentais, regando com àlcool o já altamente inflamado ódio existente naquela zona. É isso que se deseja? Claro que a curto prazo sabe-se quais os interesses que estão na base deste tipo de acção por parte dos EUA. E até certo ponto até se compreende. Porque, e citando Robert Kagan, se a Europa vive, ou viveu, num paraíso pós-histórico kantiano, foi em muito devido à acção que os EUA tiveram no mundo e no Médio Oriente em particular, admitamos. Mas está mais que provado que vai haver um preço, muito mais elevado, a pagar no médio/longo prazo por este militarismo que nos providenciou qualidade de vida até hoje. Mudar? Como? E ainda vale a pena? Ou teremos mesmo que manter esta atitude, de modo a preservar o modo de vida Ocidental?

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rui Rebelo
Em primeiro lugar não posso deixar de saudar o reaparecimento dos seus textos no blogue, não desconsiderando todos os outros, os seus criam novidade que se saúda.
Não sou especialmente entendido nos assuntos de diplomacia e estratégia da problemática do médio Oriente, não obstante isso, penso que a primeira observação é que o seu comentário é corajoso e levanta questões candente na politica internacional.
Todos nós, ficamos revoltados com o cenário de violência e dor que as imagens da guerra na síria nos trouxeram, será responsabilidade de uns ou de outros?
Não sei, mas não me custa a reconhecer lógica nos seus argumentos, sobretudo quando os Estados Unidos da América, nada fizeram até aqui contra as atitudes ditatoriais dos governantes da Síria e agora quando a França e Inglaterra se adiantarão na critica,vem Obama(e eu estou plenamente de acordo com a sua analise a problemática de Obama, face à guerra)precipitadamente falar em intervenção, quando os observadores da ONU ainda estão no terreno, colocando mesmo em risco as suas vidas e a própria descoberta da verdade, será que Obama esta interessado em descobrir alguma coisa?
Não estará ele a fazer o mesmo que fez ao matar Bin lada,(esconder a possível descoberta de provas)?
São dias perigosos que se avizinham.
Só me resta dar-lhe os parabéns pelo magnifico texto.
Saudações
Açor

Rui Rebelo Gamboa disse...

É sempre a mesma coisa, depois a comunicação social inunda as nossas cabeças com a tese norte-americana e está tudo preparado para a intervenção. Não me venham com a violação de direitos humanos, por muito que, evidentemente, me custe ver também as imagens, existem situações iguais ou mesmo piores no mundo e a "comunidade internacional" não faz nada.

Quantos aos observadores da ONU, também na altura das ADM no Iraque foi-lhes sempre sabotada qualquer análise independente.

Mas, como disse, não alinho no discurso da esquerda de apenas criticar esta atitude militarista dos EUA. Se temos uma qualidade de vida acima da média, e temos, quando comparados com o resto do mundo, é devido a este tipo de acção dos EUA. Até que ponto isto é sustentável?

obrigado pelas suas palavras
abraço
Rui Gamboa

Anónimo disse...

Caro Rui Gamboa
Em principio uma intervenção estrangeira num País(sobretudo militar)é de criticar e por norma, cria problemas maiores do que os benefícios que pretendia criar.
A sua analise da intervenção dos E.U.A, no Iraque é a prova desta desadequação.
A América tem uma certa aversão a obedecer à ONU(pois se considera o "senhor do Mundo")e por isso não desencadeou os mecanismos deste organismo em relação a qualquer medida anti Síria,(não se conformando com o direito Internacional) pior do que isto, teve uma intervenção unilateral e solitária a anunciar uma intervenção militar, sem qualquer bom senso e num momento em que os inspectores estão no terreno, com risco das suas próprias vidas, é ridículo que o presidente Obama se tenha transformado dos mais pacíficos em candidato aos mais bélicos, sobretudo neste 2 mandato, em que a não reeleição não exigia estes "arrufos" belicistas...
Mas mais importante do que a analise esquerda direita, é a preocupação com a geopolítica duma zona tão conturbada como o médio Oriente, sobretudo neste cisma religioso o politico que afecta a região e que tem sido impulsionado por uma politica diplomática desastrosa pelos Estados Unidos.
A verdade porém é que a situação é complexa, estando em confrontação forças "misteriosas" e que tomando os exemplos da Líbia e do Iraque, não nos anunciam nada de bom.
Os Americanos quando intervêm militarmente não o fazem por solidariedade, mas por interesses; de venda de equipamento militar, de domínio territorial, estratégico, ou mesmo de domínio de interesses comerciais e económicos, etc...(infelizmente a mesma atitude é tomada por outros intervenientes internacionais)nesta medida a opção esquerda direita é inexistente, não só por as práticas internacionais serem sensivelmente iguais, como no fundo não existem Países em confronto com opções politicas antagónicas em termos de Direita, Esquerda.
Por fim reafirmo que o seu texto é tempestivo e reafirma os principais tópicos que o problema levanta e nesta acepção só pode levar os meus calorosos elogios.
Saudações
Açor

Anónimo disse...

Caro Rui Gamboa
Estando no essencial de acordo com o seu texto, penso que a ideia que o Mundo tem que ser bipolar, entre os que são pro Americanos(direi melhor que são cegamente apoiantes das politicas Americanas, quando elas nem são unas nos próprios Estados Americanos...)é uma ideia ultrapassada da guerra fria, existem não só tantas opções no quadro do Ocidentalismo(ou o que quer que seja esta ideia)como opções fora deste contexto.
Se considerarmos a ideia do mundo económico capitalista temos um Universo plural e que no essencial se pode condensar naquele que respeita o direito democrático e o que não respeita, neste se podem englobar todas as atitudes de fuga à lei, como os movimentos financeiros que deram origem à presente crise, mas que podem e são disfarçados e não punidos pelos interesses que têm a força suficiente para se imporem como é o caso dos nossos BPN e PPP e Banif etc,(sem falar dos swapes e das PPP e rendas que oneram os estados...
Nesta baliza temos muito que fazer para continuar a estar sob a alçada dum regime de mercado livre e de democracia politica...
Infelizmente os Estados Unidos têm mais exportando estes movimentos financeiros criminosos do que efectivamente combatido estes desvios financeiros ilegais.
Julgo(mesmo sendo adepto de outro regime económico)que existe muito caminho dentro do sistema económico capitalista para colocar o regime dentro dos carris da legalidade.
Saudações
Açor