25 abril 2014

Da Censura à Promoção do Elogio

40 anos depois, o que mudou? À parte da situação de guerra que se vivia, e que foi a razão essencial para se fazer a revolução, hoje a situação política mantém-se basicamente igual. Evidentemente, as coisas melhoraram em vários aspectos, como as condições gerais de vida e isso pode ser facilmente comprovado comparando estatísticas, mas essa evolução deveu-se ao normal passar do tempo. É natural que a revolução tenha permitido desbloquear várias situações que levaram a um aumento de investimento em áreas fundamentais como a educação, a saúde e infraestruturas, mas que teve um preço que se traduziu na falência do país poucos anos depois de 1974. Se não tivesse havido a revolução, esse investimento teria de ser feito mais tarde ou mais cedo, arrisco-me a dizer, com menor esforço para as pessoas.

A comparação entre o pré e o pós 1974 é um exercício difícil de ser feito, uma vez que a guerra teve efeitos na população que hoje não tem paralelo. No entanto, existem algumas situações que podem ser comparadas. Exemplo: a liberdade de expressão. Antes da revolução, como se sabe, a censura estava institucionalizada, era algo que existia abertamente. Apesar da censura estar aparentemente morta e enterrada, a verdade é que a liberdade de expressão é hoje uma ironia. Se antes o preço a pagar era a prisão e a tortura, hoje é proscrição. A censura hoje está invertida, pode-se dizer o que se pensa, mas na certeza que as palavras certas pró-regime podem facilitar a vida em termos de oportunidades e, pelo contrário, a crítica leva ao isolamento. Isto faz com que hoje em dia o sistema seja muito mais eficaz. Perante esta situação de garrote económico constante em que vivemos, imposto pelos próprios responsáveis políticos, o que se observa é um acotovelamento entre a população para aplaudir e elogiar o regime. Antes da revolução, a crítica ao regime levava à prisão e à tortura, mas também conferia um estatuto de heroicidade e a vidas no exílio, patrocinadas pelos actores da guerra fria, muito apetecíveis. Dir-me-ão que antes eu não teria sido capaz de escrever um texto como este. Desde logo, teria que dominar a arte da tipografia. Hoje é muito mais fácil escrever-se um texto. Mas, sim, seria possível e iria certamente ter consequências. E hoje? Hoje a consequência é muito mais subtil, mas com efeitos igualmente negativos.

Por outro lado, antes da revolução, como se sabe, a comunicação social era controlada pelo regime. A famosa comissão de censura e o lápis azul faziam com que as notícias e os jornalistas estivessem fortemente constrangidos. Deste modo, sabia-se que aquilo que saía nos jornais era sempre a versão do regime dos acontecimentos. Hoje, no entanto, o controlo da comunicação social também evoluiu, para a chamada instrumentalização. Não é preciso irmos muito longe, basta ver os constantes problemas na RTP com saídas e entradas de directores por incompatibilidade com a política de quem está no governo (o último caso, se não me falha a memória, foi o acesso pelas forças de segurança às imagens de uma manifestação em frente ao parlamento). Além do caso óbvio da empresa pública, também as privadas têm necessidade de entrar nessa dança, sob pena de serem também proscritos. As coisas hoje são feitas de forma muito mais imperceptível, com o regime a infiltrar os seus correligionários dentro dos principais órgãos de comunicação social, que não têm outra opção a não ser aceitar essa condição para sobreviverem. O resultado, no fim de contas, é o mesmo: temos sempre que saber ler e filtrar a informação de acordo com quem é o autor da notícia que estamos a ler.


Mas, na verdade, hoje existe uma maior diversidade partidária. Longe vão os tempos da União Nacional partido único. Mas quem se revê nos actuais partidos e nos seus responsáveis? Existe mesmo a possibilidade de se mudar o que quer que seja com o nosso voto?

Na 2ª república, apostou-se claramente no corporativismo (e, já agora, é preocupante a ignorância de alguns responsáveis políticos actuais em relação a esse conceito). Actualmente, esse corporativismo é diferente e dissimulado, basta ver as trocas entre responsáveis políticos e as administrações nas principais empresas privadas.


Os métodos evoluíram, mas os objectivos de quem está no poder são os mesmos. Os responsáveis políticos perceberam, ou foram obrigados a perceber, que é muito mais eficaz promover a concorrência ao elogio do que calar ou proibir a crítica. Passou-se do sistema repressivo ao sistema retributivo.

6 comentários:

Anónimo disse...

caro Gamboa
A comunicação social agora também é controlada pelo poder político.

Anónimo disse...

caros maquinistas

hoje só vos posso elogiar. Este blogue é o único livre nos Açores. Vocês escrevem sobre quilo que muitos pensam mas têm medo de dizer. É pena que o vosso partido não aproveite as vossas capacidades para deixar de ser correto. Talvez os socialistas andassem mais contidos na mentira e na manipulação.
Parabéns pelos textos.

Anónimo disse...

Caro Rui Gamboa
Com pequenas alterações(e com a devida vénia)este poderia ser um texto assinado por mim, não obstante temos que ter o cuidado de situar os tempos e relativizar as situações...
Eu podia até reforçar alguns efeitos ligados aos nossos dias em comparação aos tempos de Salazar /Caetano e estes são realmente o de compreender que forças económicas é que estão por detrás de um e de outro tempo histórico.
Antes de Abril estávamos num tempo económico dum capitalismo incipiente, não obstante os grupos económicos então vigentes, mas existia uma situação económica e um regime capitalista nas cidades, mas um sistema de fim de feudalismo nos campos, o sistema de trocas era comum no campo e a economia nos campos era essencialmente de subsistência.
Com o 25 de Abril ao lado dum golpe militar e da revolução popular que se seguiu, surgiu a verdadeira libertação das forças capitalistas, inicialmente com o fortalecimento do comercio e depois com o reajustamento industrial e mais tarde(sobretudo com a C.E.E) o ressurgimento das relações internacionais a nível do comercio mas também da Indústria e de algum capitalismo financeiro, é de considerar que o fim do intervencionismo estatal nas empresas e a privatização em condições vantajosas levou não só ao ressurgimento de movimentos financeiros que teriam o seu auge, não só na entrada na C.E.E, como principalmente na entrada no Euro coincidente com o reinado de Cavaco.
De forma necessariamente grosseira diríamos que foi esta a revolução capitalista que nos conduziria ao estado actual dum capitalismo financeiro agressivo, sem esquecer a entrada massiva de capital estrangeiro de duvidosa proveniência.
Saber se este movimento não acrescentou algo de bom ao povo em função ao que acontecia antes de Abril, direi que sim e que não, por um lado deu acesso ao ensino superior aos filhos dos trabalhadores, deu casas e carros ao povo e uma liberdade mais ao menos nos termos que referiu, mas este "festim" não foi para sempre nem foi um almoço grátis, não foi grátis porque retirou consciencia de classe, aburguesou os trabalhadores e levou-os muitas vezes a copiar as manias(dos poderosos) no relacionamento com os seus iguais, desvirtuou o exercício dos cargos de(pequeno)poder que o 25 de Abril criou, desde logo nos sindicatos nas comissões de trabalhadores, nos condomínios, sem falar no médio e grande poder relativo aos partidos as Câmaras e juntas de freguesia, etc,etc...
Foi a absorção dos tiques e da concepção de ter em vez de ser e ter, se calhar com mais força e mais atropelo por serem "novos senhores", mas mais do que isso foi a falta de passagem de testemunho aos filhos das dificuldades e da necessidade de lutar por objectivos...
Mas a festa havia de acabar e acabou com toda a violência que a crise mostrou...
De resto muito do que escreve é verdadeiro mesmo a situação de pseudo bonomia deste regime em relação ao antes de Abril, aconteceu não por boa vontade do regime, mas porque o desenvolvimento do capitalismo necessitava deste crescimento económico e de massas populares prontas e com condições para consumir, se acrescentarmos que o capitalismo financeiro de casino empurrava as dificuldades para o futuro, trouxe-nos para esta encruzilhada em que os filhos dos trabalhadores deixaram de poder estudar, os trabalhadores deixaram de poder ter carro pelos custos acrescidos com seguros estacionamento etc e quanto ás casas deixaram de poder fazer face aos compromissos com os empréstimos sem esquecer que o supremo fim foi o desemprego e diminuição de vencimentos que toda esta luta de classe " ao contrário" trouxe ás classes populares.
Por fim penso que foi um excelente texto que nos levaria muito longe, mas que me limitei a contribuir com alguns tópicos para o teu abordar deste tempo em comparação com o anterior.
Saudações
Açor

Rui Rebelo Gamboa disse...

Caro Açor, como eu disse é um exercício muito complicado de se fazer comparar o antes com o depois de 1974, mas acho que o Açor conseguiu o fazer em vários aspectos com mestria e subscrevo praticamente tudo. É muito interessante que observe a revolução como uma libertação capitalista. Eu apenas acrescentaria que aquilo que se passou na constituinte com a formação da base política para esta democracia foi feita à medida dos partidos políticos actuais. É estanque, quase. Não permite que mais ninguém tenha representação, a não ser no quadro partidário vigente. E isso, a meu ver, foi essencial para o desenrolar dos acontecimentos, da maneira como bem descreveu, e nos trouxe até aqui. Porque, é um sistema que protege e alimenta a corrupção, sejamos claros. Eu não entendo o capitalismo, em si, algo de mau. A corrupção que está instalada neste capitalismo é que desvirtua tudo. Nem de propósito, nas maratonas televisivas sobre a revolução, ouvi o Prof Veiga Simão a fazer uma comparação entre os homens que (des)governavam Portugal na I Republica e os actuais e a diferênça que ele encontrou, além das questões evidentes de discurso, foi exactamente a corrupção. Aliás, o próprio Mário Soares, que é para mim, a cara principal deste sistema corrputo em que vivemos, já disse que o mesmo comparando os actuais governantes (quando ele destila aqueles artigos contra o actual governo) com o próprio Salazar. Penso que o Açor toca em vários aspectos que me merecem uma reflexão mais aprofundada, uma vez que olha para estes eventos a uma luz que eu, sinceramente, ainda não tinha visto bem.

O meu objectivo era somente tocar em poucos aspectos que me parecem ser evidentes, mas que infelizmente niguém fala neles.

Quando ao nosso anónimo mais lá em cima, bem, para já gostava de lhe devolver começando com um "Caro..." mas não posso, porque não sei o seu nome. Quanto à sua questão, eu penso que é evidente a relação entre poder político e comunicação social. Aliás, a dúvida, no máximo, seria saber quem manda em quem. Mas que os partidos políticos estão bem inseridos dentro de todos os principais meios de comunicação social, disso não há dúvida. Aliás, também nas maratonas televisivas sobre a revolução, numa intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa disse isso mesmo e com muito mais precisão, quando falou no papel dos partidos na construção do actual cenário político-social. Aliás, em Portugal esse controlo da comunicação social por parte do poder político é feito de forma meio escondida, mas à vista de todos, pelo contrário, por exemplo nos EUA, como se sabe, é mesmo às abertas.

Anónimo disse...

Caro Rui Rebelo
Como é evidente agradeço, não há modéstia que resista a um bom elogio, mas não o mereço, limitei--me a seguir o bom post que escreveu e à minha maneira, ao correr do teclado escrevinhei algumas ideias desordenadas, mas nas quais tenho reflectido ao longo dos tempos...
O capitalismo como outros sistemas, têm um discurso coerente que deixa toda a liberdade em fazer seguidores, daí não vem mal ao mundo, a grande questão é quando as pessoas conduzem este sistema ao exagero como é o caso actual, em que existe o maior afastamento entre ricos e pobres deste mundo e como é óbvio este status não é conseguido exclusivamente com o regular exercício do sistema, mas sim com uma prática irregular e criminosa, como é o caso da corrupção...
Tem razão quando escreve sobre a constituinte, mas não(julgo também que não se refere a estás) no que diz respeito às garantias dos trabalhadores ou outras salvaguardas que evitam que este governo reforce a sua ditadura e torne ainda mais dificil a vida do Povo.
Independentemente da dicotomia entre esquerda e direita existe um conjunto de mentiras que de tanto serem ditas passam despercebidas e cause passam a "verdades", independentemente de ser necessário um controle nos orçamentos(e do Governo de Sócrates ser para criticar)é incompreensível que todo o mal esteja neste governo, até porque em 2008 o défice "estaria controlado"(duvidei na altura, duvido agora)e depois daquele "obedecer" a directivas Europeias e produzir despesa chegou a um défice de 8 ou 9 por cento, quando hoje com toda a austeridade temos um défice de 5 por cento, mas (independentemente de todo o desvalor de Sócrates)seria incompreensível que todo o mal estrutural da nossa economia estivesse num ano de mau Governo qualquer que ele fosse.
Para mim a despesa não é toda igual, nem toda má,o exagero do betão começado com Cavaco foi má, despesa na educação foi boa, mas uma e outra não dispensa um controle na sua execução para que não aconteça o que é comum em obras públicas, derrapagem nas contas, que me lembre o 1º. grande escândalo foi a derrapagem do centro cultural de Belém, feito por Cavaco, mas a seguir temos a expo e os estádios de Guterres e do PS,pagos com o erário público, muito mais se poderia considerar desde logo a subvenção aos partidos, ás fundações, ás empresas, etc.
Seja como for, antes de mais a despesa publica é uma questão politica, politica interna e politica comunitária, por isso que desde o inicio da crise que escrevi que a luta contra a mesma teria que ser feita na comunidade e dentro de portas, sendo que inevitavelmente são as politicas comunitárias que definem o essencial dos rumos económicos nos Países comunitários.
Muito teria a dizer, mas o que quero dizer é que ninguém quer agarrar a verdade desta crise, senão teria feito uma exaustiva analise e auditoria ás mesmas, pois seria interessante verificar o que foi feito aos dinheiros da segurança social, como seria interessante pensar o porque de se ter desviado as responsabilidades da crise de socráticos para o Estado social?
Certamente porque uma vez derrubado Sócrates o interesse seria diminuir o estado social e baixar o custo do trabalho.
Muito havia a dizer, mas certamente que fica claro que nada disso bate certo e que não fica claro onde está o mal da situação económica e politica de Portugal, nem os políticos(PS e PSD, sobretudo) estão muito interessados nisso.
Saudações e obrigado pelos elogios imerecidos
Açor

Anónimo disse...

Caro Rui Rebelo
Sem querer tornar-me maçudo é importante considerar os rios de dinheiros vindos da Europa e que sustentaram toda a espécie de falcatruas, não só dentro dos partidos do poder e dos poderosas, mas também em partidos ditos de esquerda, nos sindicatos e em alguns trabalhadores, seduzidos pela "grandeza" e ostentação que se tornou moda e por isso todos(quase todos) quiseram participar do "festim" dos dinheiros da C.E.E, desde logo na pseudo formação profissional, nas barbas e com o consentimento de PS/PSD,sem que alguma vez se culpassem os responsáveis e com isso se criou como que uma cortina de silencio com responsabilidades em quase todos os partidos do parlamento, esquerda incluída.
Mas não existiu só coisas más, a criação das empresas públicas S,A com abertura do capital a 49 por cento a privados, tinha capacidades que foram derrotados e feitos esquecer pelo festim da CE e da entrada no Euro.
Temos que valorar(mesmo com todos os erros) a descolonização e a inclusão dos "retornados" de forma se não pacifica, pelo menos mais cordata do que em outros Países Europeus....
Também não podemos ignorar a destruição do tecido produtivo feito em troca da nossa entrada na CEE,(bem como o "veto" à nossa escolha em referendo) no qual em contraponto se depara com a destruição da agricultura, pescas e industria, mesmo com a diminuição da investigação cientifica e técnica na agricultura iniciada com Marcelo Caetano e que é "vergonhosamente" escondidos por este governo(PSD/CDS)os valiosos estudos da estação agrária Nacional, mormente no controle das pragas no café, em muitos países produtores.(factos actuais, mas que são silenciados para que não se repare no abandono em que estão estes serviços)
Eis por exemplo um caso em que a vontade politica deste governo é muito inferior ao governo de Marcelo e as instalações das estações agrárias(incluindo as dos Açores)estão muito abaixo das suas capacidades instaladas.
O mar deixou de ser uma realidade de esperança económica e cientifica real, para passar a ser um postal "ilustrado" para acenar em tempo de dificuldades e de propaganda eleitoral.
Mas sobretudo existe uma desvirtuação da democracia que concentra as suas forças na campanha eleitoral e na caça ao voto, quando se devia reinventar a bem da boa governação da coisa pública.
Açor