27 junho 2007

Cidadania e Democraticidade na UE*

Um dos objectivos do processo de integração europeia é aprofundar a cidadania europeia, que tal como está consagrada actualmente nos Tratados, é ainda muito insípida. Para que tal aconteça, será necessário que seja definida de forma cada vez mais concreta, para que os europeus se revejam nesse conceito e para que sintam fazer parte de uma identidade europeia. O sistema educativo tem, neste contexto, um papel determinante, da mesma forma que o foi aquando da consolidação das identidades nacionais. Será desde os primeiros anos de escola, que se deverá incutir o significado de cidadania e de pertença a uma comunidade europeia.

Uma das grandes críticas ao processo de integração europeia é o facto das instituições comunitárias estarem ‘longe’ dos cidadãos, estes são objecto das decisões e não sujeitos da comunidade política europeia. Isto decorreu do método funcionalista que Jean Monnet concebeu para a construção europeia, que através de decisões de elites, de cariz essencialmente económico, criou um grande desinteresse, por parte dos cidadãos.

Nas regiões periféricas e ultra-periféricas, esse desinteresse é sentido de forma ainda mais aguda, George Steiner escreveu na sua “Ideia da Europa” que um dos principais factores para a construção de uma identidade europeia, é a possibilidade de percorrer a Europa a pé, esta afirmação põe a nu a situação de exclusão que vivem os habitantes das regiões ultra-periféricas das ilhas, que além de padecerem do desinteresse pelas instituições europeias, que é comum à maioria dos europeus, vêem-se ainda afastados dessa possibilidade de participar no processo de construção de uma identidade europeia, tal como Steiner o concebeu.

Apesar da cidadania europeia, institucionalizada com o Tratado de Maastrict, em 1992, ter sido um passo importante na tentativa de estabelecer uma ligação mais próxima entre as instituições e os cidadãos, a verdade é que continua a ser observável uma grande dose de falta de informação, relativamente à União Europeia e, talvez mais importante, a tal identidade europeia não se desenvolveu. Uma das explicações poderá residir na falta de democraticidade, que tantas vezes é apontada à União Europeia. Verifica-se, por via da transferência de poderes dos Estados-membros para a União e porque as políticas são adoptadas por órgãos próprios da União e não por representantes dos Estados, que os cidadãos não têm o poder de responsabilizar directamente aqueles que tomam, verdadeiramente, as decisões e que, dessa forma, afectam a sua vida, um bom exemplo disso e talvez o mais significativo é a moeda única.

Uma das formas de construir uma cidadania europeia verdadeira, será através do combate a este déficit democrático. Nos contextos nacionais, as cidadanias têm vindo a ser fortalecidas devido à participação activa que as sociedades têm na condução das políticas, seja através do voto, seja através de lutas e conflitos que permitiram, em muitos casos, que os cidadãos adquirissem uma série de direitos e deveres e, ganhando ao mesmo tempo, uma identidade comum. Será, então, imperioso que a União disponibilize a todos os seus cidadãos e a todas as instituições políticas que eles fazem parte, formas para participarem no processo político, ganhando por um lado, a tão requerida democraticidade e, por outro ao fortalecimento da cidadania europeia.

Apesar de todos os problemas supracitados que revestem a construção europeia, a verdade é que a Europa é uma realidade para todos os seus cidadãos, seja de uma forma mais ou menos próxima, seja de uma forma mais ou menos consentida, e todos sabem que são ‘europeus’, apesar de se sentirem, antes de mais portugueses, espanhóis, ingleses, ou açoreanos, catalãos, escoceses, etc.

O alemão Jürgen Habermas afirmou que numa democracia liberal, os cidadãos devem sentir-se leais e identificados não com uma identidade comum, mas sim com princípios constitucionais que garantam plenamente os seus direitos e liberdades. Esta parece ser uma proposta muito interessante, uma vez que congrega em si, o melhor da tradição liberal e tolerante europeia, ao mesmo tempo que garante uma participação efectiva dos cidadãos na condução das políticas que lhes dizem respeito, por outro lado Habermas combate o terrível nacionalismo de cariz étnico, que tem sido o inimigo da paz na Europa e que se afigura como um das principais ameaças à construção europeia e que no dealbar deste século XXI, ganha uma alento preocupante.
* Tese apresentada no II Congresso Nacional Portugal e o Futuro da Europa, organizado pelo I.E.E.I e realizado na Fundação Calouste Gulbenkian nos dias 25 e 26 de Junho de 2007.

3 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro amigo, muitos parabéns, antes de mais, pelo convite que te fizeram para integrares os trabalhos, e pelo texto que elaboraste.

Não vou aqui debatê-lo, pois já o fizemos em privado, mas o mar que nos rodeia, e faz de nós ilhas, afasta-nos do centro da Europa. Isso é uma certeza.
Mas será que também diminui a nossa identidade Europeia?

Um abraço

Rui Rebelo Gamboa disse...

A questão da identidade é muito, mas mesmo muito subjectiva. O que é essa identidade, antes de mais? Em que se baseia? Penso ser uma área muito ampla, que por isso mesmo, permite muitas e diferentes interpretações. Em termos de cidadania, propriamente dita, penso que está pouco desenvolvida em toda a Europa e mais ainda nos Açores, por razões já ditas e que contribuem para outras questões de atraso que padecemos. A democraticidade, ou falta dela é a razão principal. Penso, por outro lado, que referendar este tratado não irá, por si só, diminuir esse déficit, será apenas pontual.

Se é a diversidade que está na base da identidade europeia, então não haverá razão para estarmos afastados, porque também contribuímos para essa diversidade, mesmo enquanto açorianos.

A questão histórica será, com certeza, muito importante para a definição da identidade europeia, mas o futuro terá, em minha opinião, um papel vital, e nesse contexto a resposta à pergunta "o que é que eu quero ser?" tem grande importancia.

Para responder à tua questão de forma concreta, acho que a nossa condição geográfica não diminui obrigatóriamente a nossa identidade europeia. No entanto, temos uma identidade própria, que também tem muito dos EUA, que enriquece a própria id europeia.

Eu devolvo-te a questão, mas a um nível mais pequeno: a nossa condição geográfica diminui a nossa ID portuguesa?

Anónimo disse...

Pois, temos de começar a habituarmo-nos a pensar mais macro, e a dizer; sou Português residente nos Açores, o que me torna Europeu.

A ID Europeia, segundo o Presidente do Parlamento Europeu, tem por base o Hino e Bandeiras da Europa. O mesmo afirmou ter pena que estes dois simbolos Europeus, não constem do texto actual do Tratado.

Temos uma vocação Atlântica (ex. NATO) e a ponte, na Europa, é sempre feita com os EUA, sendo que temos um Oceano a separar-nos, e não é por isso que nos viramos mais para Oriente. (ex. Rússia ou China).

Por isso, e mais ou menos a brincar, posso dizer, que de certo modo somos nós, os Açores e Portugal, quem está no Centro da Europa. ;)