28 abril 2009

Donos de Abril

Algo frustrado por não ter conseguido adquirir um bilhete para assistir às Variações Goldeberg, no CCB, decidi deambular, ao acaso da saudade, pela cidade, acabando, especado e horrorizado, no meio da Avenida da Liberdade, perante o meu esquecimento e o que ali decorre anualmente no dia 25 de Abril. Com efeito, lá estava a Avenida, urrando de dor por lhe estragarem o descanso semanal, tomada de assalto por uma turba que, aliada a mais uns quantos (desta vez ausentes), costuma intitular-se como sendo a legítima “defensora do espírito de Abril”. Não querendo ser confundido, fui-me afastando tranquilamente em direcção ao Rossio, com o fim último de visitar as livrarias do Chiado, quando alguém me interpela e me fuzila com um olhar siberiano porque recusei, educadamente, um cravo do apartheid. Sorri para mim, perante a ironia de, naquele dia e numa avenida com aquele nome, os lídimos saudosistas de ideologias e práticas totalitárias se apropriarem e manifestarem em nome da Liberdade, bramando impropérios (certamente, em nome das liberdades) contra aqueles que não comungam das suas efabulações mitológicas. Alexandre O´Neill disse, num desses dias do admirado PREC, que “ a revolução libertou-nos de uma mediocridade, o que não quer dizer que não estejamos a cair noutra ”, de certeza referindo-se àqueles que hoje julgam ser os donos de Abril e à sua tentativa de nos impor os amanhãs que cantam. Esta gente nunca compreendeu, nem há-de compreender, que são a causa da indiferença a que actualmente a “ maioria silenciosa “ vota o 25 de Abril. Esta gente ainda acalenta a esperança de um dia nos reduzir à Quinta da Igualdade. Esta gente jamais aceitará que o 25 de Abril apenas se cumpriu em 25 de Novembro de 1975. Certamente, para eles, eu deveria ser metido e fuzilado no Campo Pequeno, pelo crime de delito de opinião. Obrigado, general Jaime Neves (entre outros), por ter contribuído para que eu possa escrever este artigo.

10 comentários:

Tiago R. disse...

Tão engraçado vê-lo a cair no mesmo erro de que acusa milhares de pessoas com ideias, ideologias e opiniões muito diferentes... Afinal quem sabe o que foi o 25 de abril é você!

E escorregou completamente quando termina o seu texto com o elogio a um saudosista dos tempos fascismo, um torcionário, que foi directamente responsável por massacres e crimes de guerra durante a Guerra Colonial!

Toupeira Real disse...

Este Tiago deve ser um daqueles adeptos do bem fuzilar: 100 milhões de mortos não lhe dizem nada.

Voto Branco disse...

Caro Tiago,
..."directamente responsável por massacres e crimes de guerra durante a Guerra Colonial!"... não vá por aí... acho que esse argumento é de todo descabido!
Não o ouvi falar em Otelo Saraiva de Carvalho, esse sim um torcionário, ou já se esqueceu das FP-25 de Abril?
As considerações que o Sr. José faz, na minha visão têm muito sentido e isto sem qualquer conotação politica (quem quiser que enfie o barrete)!
O que me preocupa é que passados 35anos ainda se sentem os reflexos da anarquia que foi os tempos gonçalvistas!
O que me preocupa, é que os cravos transformaram-se em rosas, desta com a agravante de terem espinhos (perguntem ao Sr. Charrua)!
O que preocupa é que alguns partidos façam campanha anti-UE mas não se coibem de apresentar listas às europeias, mas que raio de congruência!
Enfim, aquilo que o Sr. José diz tem todo o sentido, só é pena que poucos tenham coragem de assumir as suas posições. Para mim o 25 de Abril é o Dia da Liberdade - longe de qualquer tirania partidária - de um povo subjugado e sôfrego de conhecimento, e não uma qualquer querela entre fascistas e comunistas, pois perdoe-me a expressão "os opostos atraem-se!"
Saudações

Luís Almeida disse...

Caro José Gonçalves

Para alguns abrilistas é concludente que ou estás comigo ou contra mim...

Infelizmente quanto mais nos afastarmos de abril de 74, maior será esse radicalismo fundamentalista.

Abril sempre, claro que sim!

Mas todos os anos reflectir sobre a mesma coisa e gastar-se dinheiro em cravos (e canelas à mistura), torna o ritual repetitivo e sem significado.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Excelente postal, não só o conteúdo, que subscrevo inteiramente, mas a própria qualidade de estilo de escrita [claramente acima dos restantes mortais por aqui, pelo menos de mim].

E todos anos tem sido a mesma coisa, é ainda um ai Jesus, se nos atrevemos a exprimir outra Liberdade que não a "de Abril".

O 'D' de Descolonização não chegou a conhecer a luz de Novembro. Foi pena.

carolus augustus lusitanus disse...

Gostei especialmente desta frase (muito poética): «...e à sua tentativa de nos impor os amanhãs que cantam».

Quanto ao «post», ou melhor, ao 25 de Abril, eu vivi-o e vivo-o quotidianamente (o espírito, claro -- como poderá ser de outro modo?), embora não alinhe com a turba em manisfestações de «cravo e canela»...

Toupeira Real disse...

Talvez mais poética seja esta:
quando alguém me interpela e me fuzila com um olhar siberiano porque recusei, educadamente, um cravo do apartheid

Paulo Pereira disse...

Gostei do post, embora não concorde com a sua mensagem.
Contudo, acho que as opiniões contra-corrente do José e do Tiago são muito válidas porque são criativas e diferentes.
Afinal, o 25 de Abril terá servido, que mais não seja, para que estas opiniões possam ser emitidas livremente, sem censura.

pedro lopes disse...

Carissímo José,

este post merecia uma entrada no CCB. ;

Quanto ao 25 de Abril, é, sem dúvida uma data incontornável. Só mesmo alguns taxistas Lisboetas gostariam que o tempo voltasse ao pré 74.

E há quem defenda, que houve pouco sangue derramado, o que originou uma semi Revolução. Soares e outros que se apoderaram dos louros, viveram na livre Paris. É certo que Cunhal e outros tantos "vermelhos", muito lutaram na clandestinidade - sofrendo as consequências -, mas não saimos de uma ditadura, para cairmos num regime totalitário e pseudo igualitário.

Os comunistas queriam uma sociedade utópica, espartilhada, por isso, felizmente houve o 25 de Novembro, e um resfriamento nas nacionalizações.

Aliás, nós, aqui nos Açores, jamais aceitariamos um regime socialista puro e duro. A FLA surge nesse âmbito.

Basta ver que até a URSS, acabou por sucumbir, quebrando-se o muro que dividia duas sociedades tão díspares. E a China mantém-se como um regime semi-socialista, conforme ou cidade onde se vive. Somente a Coreia do Norte (até Cuba já está mais "arejada") persiste nessa utopia de igualidade.....e a constatação da realidade que ali se vive é deveras horrenda e desumana, contrária aos mais elementares Direitos Humanos.

Mas viva o espírito de Abril, com ou sem cravos. Cada um decide se os quer com canela (como os de Belém) ou sem ela.

Voto Branco disse...

..."os lídimos saudosistas de ideologias e práticas totalitárias se apropriarem e manifestarem em nome da Liberdade e bramarem impropérios (certamente, em nome das liberdades) contra aqueles que não comungam das suas efabulações mitológicas"

Realmente, vale a pena visitar este blog! A qualidade do que aqui se escreve é deveras de outro nível. Eu pelo menos farto-me de aprender. Obrigado!
Parabéns ao Sr. José Gonçalves e aos restantes autores do blog.
Saudações