Ao fim de quase um ano, conhece-se o vencedor do concurso público internacional, lançado pelo Governo Regional dos Açores, para contratação de uma empresa de Lobbying junto da UE. Assim, durante doze meses, a APCO Worldwide irá ser um parceiro “com reconhecida experiência, contactos privilegiados e com a capacidade técnica necessária para complementar o trabalho do Governo dos Açores na defesa dos interesses da Região junto das instituições da União Europeia, na sua promoção e projecção junto dos Estados membros e na procura de novas oportunidades para o seu desenvolvimento”.
Ironicamente, no mesmo dia ficou-se a saber que a Comissão Europeia irá mesmo acabar com o sistema de quotas leiteiras, prejudicando assim os interesses dos açorianos.
Duas questões.
1) sempre se soube que as quotas leiteiras iam acabar. O modelo económico em que se baseia a União Europeias não suporta eternamente sistemas de quotas. Ainda assim, o paradigma de Política de Coesão, que foi ganhando adeptos ao longo dos anos '90, permitiu, e bem, o arrastar no tempo daquele modelo, pondo também ao dispor dos Açores meios para acautelar o fim que agora se assiste. De qualquer das formas, a ultraperificidade dos Açores nunca irá desaparecer, por muitas ajudas económicas que existam. Assim, será importante garantir igualdade aos produtores açorianos, que não podem sair prejudicados devido à distância entre si e do continente. E isto leva-nos ao ponto
2) Os Açores precisam duma representação junto da União Europeia, não tanto para exercer influência diplomática ao mais alto nível, porque, convenhamos, não temos qualquer peso para tal, nem mesmo debaixo da asa portuguesa, mas para fazer sentir a nossa identidade cultural e as nossas especificidades. A empresa agora contratada servirá, pontualmente, para dar o conhecimento técnico necessário perante cada dossiêr, mas é imperativo a presença física dos próprios açorianos nas reuniões de decisão e principalmente nas cantinas, bares e corredores dos edifícios comunitários.
O regime de quotas pode ter acabado, mas o conceito de Região Ultraperiférica é parte integrante do Direito Primário Comunitário e a Comunicação da Comissão para as RUP, que está em vigor, também oferece um vasto leque de instrumentos para os Açores. Mas, cada vez mais, a União Europeia entende, e bem, que se deve afastar do modelo assitencialista. Vivemos uma fase de transição importante, temos de saber tirar o melhor.
11 comentários:
Caro Rui,
Mesmo considerando que toda a riqueza perdida pelos consumidores é transferida para o produtor, há um custo adicional grave que resulta da resposta a preços artificias (o efeito deadweight loss).
Qual é o sentido de distorcer um mercado inteiro (neste caso o do leite) para atingir objectivos particulares de alguns dos seus agentes?
Poderá ser mais benéfico apoiar directamente o rendimento dos agentes que seriam beneficiários das quotas do que aplicar esse método ou afins (tarifas, autorizações para entrada no mercado, etc). Gera menos deadweight loss.
Ainda assim, esse argumento na UE é ultrapassado pela realidade.
Já houve dias em que praticamente 50% das receitas estiveram afectas à PAC, isto apesar das quotas, direitos aduaneiros na importação de produtos agrícolas, subsídios à produção, subsídios à não produção, preços mínimos, etc.
Talvez, seja mais claro o efeito negativo de quotas se pensarmos na sua aplicação em mercados para os quais exportamos. Basta recordar a indignação que a UE mostrou quando o sacrossanto Obama promoveu programas "buy American”, esquecendo-se a Europa da sua muralha aduaneira para a produção agrícola.
Em momentos de crise é muito difícil resistir ao proteccionismo.
Economia pura e dura, como o Caseiro fala, não é o meu forte, por isso faço-lhe a pergunta: se as quotas efectivamente não servem (penso que concorda nisso) e as ajudas directas aos produtores (ou agentes, como diz, pq engloba outros) é algo ultrapassado pela realidade, então o quê? Entregar tudo à lei de mercado?
Caro Rui, apesar de concordar com o projecto europeu e de ver grandes vantagens para Portugal, as políticas agrícolas da União podiam ser reformadas. Deixo algumas considerações:
1) Os portugueses, e açorianos em particular, estariam certamente de acordo com a proposta de aumentar os apoios à agricultura ou pecuária.
Se perguntasse se estariam de acordo em apoiar aqueles sectores com base em impostos seus a resposta seria provavelmente diferente.
Um subsídio é um imposto imediato ou diferido no tempo com o custo acrescido de juros. Os benefícios são desejados porque se sente que a contribuição é feita numa fracção inferior aos benefícios.
Portugal para a PAC contribui mais do que recebe (não soubemos negociar o nosso "cheque inglês") e sofre ainda as suas ineficiências. Porém, tomado o projecto europeu globalmente, o nosso país é receptor líquido de fundos. Até quando?
Quando formos contribuintes líquidos para a UE – e com os alargamentos ficamos mais próximos – haverá muita gente a clamar pelo mercado.
2) As condições periféricas dos Açores são consideradas um ponto justificativo de um tratamento especial. No entanto, estará o produtor da nossa região mais periférico face a Lisboa (nosso principal mercado) do que está o Polaco? Talvez sim, talvez não.
Vai a UE subsidiar os transportes intracontinentais que acarretam o mesmo custo que os dos açorianos para os seus mercados?
Provavelmente, o que precisamos é de dimensão, pois assim conseguimos economias de escala. Não é fácil dizer qual é o caminho para lá chegar. Agora, o sistema de quotas de certeza que não é.
3) Encontre um bem agrícola de fora do mercado comum mais barato do que o correspondente produzido na UE. Importe-o. Pagará à entrada a diferença entre os preços em direitos aduaneiros.
Mesmo que o proteccionismo não trouxesse custos para os constituintes do mercado interno, o que nos aconteceria se nos nossos mercados exportadores fosse erguida a muralha alfandegária que temos para os produtos agrícolas?
Eu também assumo-me (confesso que já fui mais) como europeísta e estou certo que Portugal e, evidentemente, os Açores, benefeciaram com a adesão. Nem é preciso grandes estudos para percebermos que, no global, ficamos a ganhar, basta olhar para constatar isso.
Toda a política em Bruxelas anda à volta da negociação dos interesses nacionais, regionais, corporativos, sindicais, etc, por isso é perfeitamente normal que os açorianos, neste caso, concordem com mais apoios aos produtores do que contribuir. É quase da natureza humana.
Agora, parece-me que há um problema que é claramente político nos Açores: a aplicação das ajudas comunitárias. A política da UE para com as RUP e os Açores em particular foi clara desde que começou: diminuir os efeitos da perificidade, através do invetimento nos transportes (está sendo feito); dinamização económica de forma a competir, do modo o mais igual possível, perante os condicionalismos que existem, no mercado europeu. Esta útlima faz-se através de produtos de qualidade, que façam a diferença no mercado europeu, pois serão sempre mais caros. Para tal, teria sido necessário uma melhor aplicação dos dinheiros comunitários. O facto de agora os responsáveis da Lavoura e governamentais dizerem que ainda desejam as quotas é a prova que ainda não estamos prontos. No entanto, o tempo acabou mesmo.
Queria dizer mais qualquer coisa, mas o tempo urge. Só quero fazer uma provocação: e a história do Cidadão e do Marx e tudo mais? O seu discurso económico não se coaduna muito com o anterior.
De resto, já vê que quando fala de assuntos de interesse, tem sempre a minha atenção e consequente resposta.
Cumps
concordo no geral.
A lógica de actuação dos vários grupos de lobby (eleitores incluídos) explica muitas ineficiências.
Paradoxalmente, é muito frequente o trade-off entre a maximização da votação e da racionalidade das políticas.
Quanto ao Marx e ao Cidadão, talvez as minhas ironias e provocações não foram entedidas como tal.
A defesa de tais teorias foi por vezes tão forte, que, mesmo partindo do princípio que era ironia (pois, custa-me a acreditar que ainda exista quem acredita naquelas balelas), cheguei mesmo a pensar que estavamos perante um red. Afinal confirma-se, era mesmo provok, tinha razão que assim o disse.
Entrei a dizer que quem defende o voto era anti-voto. Pensei que seria logo óbvio o sentido irónico.
Mas perante as vossas respostas acesas, que apreciei, entrei no jogo entusiasticamente e com fair-play.
Vamos ver se não tenho nenhuma recaída. É que 37 anos de militância vaporizados pela leitura do Arquipélago Gulag deixam marcas.
"pois, custa-me a acreditar que ainda exista quem acredita naquelas balelas"
Pois é, caro Rui, depois de comer não faltam colheres!
Ou como diz a camada "Morangos com Açúcar" da sociedade: Dhaaaaaaaaa!
Ana Rocha,
Você vê os Morangos com Açucar?
Caro Caseiro:
Não deve ficar parado no tempo.
Se os jovens da sua altura liam "Até Amanhã, Camaradas" não pode achar que hoje em dia ainda se passa o mesmo...
Pois. Mas você vê aquilo por prazer ou numa análise crítica para estudo sociológico?
Enviar um comentário