12 dezembro 2012

A Justeza do Nobel da Paz à UE



A Fundação Alfred Nobel decidiu atribuir o Prémio da Paz àUnião Europeia. O timing pode ser discutível, uma vez que a União Europeia está a passar a sua maior crise de sempre, mas a atribuição do Prémio Nobel da Paz é absolutamente justo. A agora chamada União Europeia foi criada sobre uma Europa totalmente destruída por duas guerras brutais e conseguiu, efectivamente, os seus intentos originais, que eram acabar com os conflitos na Europa e promover a Paz, o desenvolvimento económico e social e garantia dos direitos humanos. 

Hoje temos, de facto, e devido à União Europeia, uma excelente qualidade de vida na Europa. Somos um continente e um grupo de Estados estabilizados e com o fantasma da guerra totalmente afastado. E é necessário voltar atrás no tempo para compreendermos na sua plenitude a justeza na atribuição deste Prémio Nobel da Paz à União Europeia.

A Europa basicamente sempre andou em guerra depois da queda do Império Romano. Guerras por razões diferentes e com actores diferentes ao longo das eras, mas sempre guerras violentas que mataram muita gente. A construção dos Estados Unidos da América está, aliás, directamente associada ao constante estado de guerra na Europa. Por diversas razões, entre elas, religiosas, muitos europeus decidiram simplesmente abandonar as suas terras e começar uma vida nova no continente americano.

Mas, com a Revolução Industrial e com os avanços da tecnologia, as guerras começaram a ficar letais demais. Assim, no começo do século XX a Europa estava novamente dividida, só que desta vez as guerras foram muito mais devastadoras, em termos de mortes. Na I Guerra Mundial viram-se os primeiros aviões, tanques e armas químicas. No entanto, as divisões que existiam antes da I Guerra Mundial não ficaram resolvidas com o final da guerra. O Tratado de Versalhes de 1919 foi, aliás, a razão principal para ascensão de Hitler ao poder e para a II Guerra Mundial.

Como sabemos, a II Guerra Mundial deixou marcas muito profundas nos europeus. Não só em termos de infra-estruturas, que ficaram basicamente todas destruídas em quase todos países, mas também em termos psicológicos. O perigo da Europa degenerar em sub-desenvolvimento e até o risco de outras guerras surgirem eram bem reais, depois da derrota Nazi. Só que um grupo de verdadeiros estadistas (destaque claro para Jean Monnet e Robert Schuman) pensaram e executaram um projecto de União entre os países, que levou à Paz e à prosperidade no continente europeu. De um restrito grupo de países fundadores, a União Europeia foi-se alargando, sendo hoje um projecto político que inclui mais de 500 mil pessoas.

A Europa, em termos de manutenção de paz e de garantia dos direitos humanos é hoje uma realidade, graças à União Europeia. Há mesmo quemjá tenha dito que a Europa chegou o modelo de Paz Perpétua que Kant idealizou. Portanto, o prémio Nobel da Paz à União Europeia é realmente justo.

Mas, a verdade é que hoje a União Europeia vive a sua maior crise de sempre. O projecto europeu encontra-se metaforicamente a meio de uma ponte. Ou se avança para uma solução federalista, com total integração e com os Estados a abdicarem dos seus principais poderes essenciais. Ou então se recua para uma situação de Estados-Nação em que cada país decidirá, por si só, os seus próprios destinos. Sendo um europeísta convicto, penso que já não há mais espaço para recuos. Os decisores europeus têm que ter a coragem de continuar o projecto europeu e deixarem-se nacionalismos bacocos que até podem ser perigosos. A Europa tem que estar unida, e ter um governo central federal. Só que os europeus têm que ter o direito de elegerem este governo central federal. Portanto, há muitas e difíceis decisões a serem tomadas, para bem do projecto europeu. Precisamos de verdadeiros estadistas, capazes de tomarem decisões corajosas, sem pensarem no efeito que terão nos seus eleitorados. 

A União Europeia está perante um momento decisivo. Por isso também entendo este Prémio Nobel da Paz como um sinal, de que é necessário tomar atitudes corajosas, como as que estiveram na génese do projecto europeu, sob pena de se correr o risco de deitar a perder todo este trabalho de 70 anos de sucessos.

4 comentários:

Anónimo disse...

Churchill foi o pai da Europa. Os outros vieram depois.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Discordo em absoluto. Como sempre, os ingleses gostam muito da União Europeia, mas desde que não mexa com eles. As intenções de Churchill eram muito diferentes das de Monnet ou Schuman.

Anónimo disse...

Caro Rui Rebelo
No essencial estou de acordo com a finura e estrutura do texto, mas a conclusão de justeza do prémio não é totalmente isenta de reparos: Assim se é certo que a Europa é criado sob meritórios propósitos anti bélicos, anti imperialistas e pelo desenvolvimento económico da Europa,
Também é igualmente verdade que a guerra dos Balcãs entre os povos da antiga Jugoslávia, criou não só um conflito dos mais violentos e com responsabilidades acrescidas para a Europa...
Não me vou alongar em outras razões de erros, embaraços e ineficácia da Europa comunitária, pois já deu conhecimento disso, mas vou tão só compreender este prémio como um aviso para as imensas tarefas que cabem à Europa, para inverter este ciclo de politicas erradas e colocar as vontades e critica e autocrítica dos Europeus, na senda da correcção e alteração destas politicas...
Se for visto como uma chamada de atenção para o imenso que é necessário fazer pela paz na Europa, tudo bem, senão é mais uma derrocada em tudo o que é necessário fazer contra este espírito, passadista acrítico que visa derrubar os princípios da criação da Europa Comunitária, como se fosse um cavalo de Tróia, pronto a vence-la com o seu próprio "pelo".
Parabéns pelo bom texto que publicou.
Açor

Rui Rebelo Gamboa disse...

Eu, caro Açor, entendo o prémio como merecido. Mas tal como foi merecido este ano, também o era há 5 anos atrás. Acho sinceramente que é um sinal, um aviso à navegação da UE. Um dois em um.
Obrigado