Dar um passeio no centro de Ponta Delgada hoje em dia pode
ser penoso. Para quem já tem alguma idade e lembra-se de como a cidade era
cheia de vitalidade, com lojas, bares, restaurantes, serviços e gente, acima de
tudo gente, muita gente a andar nas ruas durante o dia e agora nos deparamos
com esta dura e triste realidade de uma cidade praticamente vazia, com quase
todas as lojas que eram referência no passado, fechadas e com as casas vazias,
muitas delas em total abandono e em risco de ruína, não se pode deixar de
sentir uma enorme tristeza. É importante, pois, fazer uma reflexão de como se
chegou a este ponto e inserir esta dura realidade no processo de mudança que
toda a sociedade micaelense, portuguesa e, em última análise, ocidental está a
sofrer.
Há razões evidentes que explicam esta deslocalização para a
periferia. Desde logo a abertura do novo Hospital e o consequente epílogo
daquele bonito edifício defronte do Campo de São Francisco. Só por aí se perdeu
toda uma dinâmica económica e social que estimulava o lado poente da cidade.
Por outro lado, e do ponto de vista do comércio, surgiram as novas superfícies
comerciais, como os centro comerciais e os híper mercado também na periferia da
cidade, contribuindo, em larga medida, para o processo de morte lenta do
comércio tradicional na baixa de Ponta Delgada. Finalmente o surgimento de
novas urbanizações, com todo o conforto e comodidade que as velhinhas casas do
centro da cidade não ofereciam, que levou a que as novas famílias que se foram
formando nas últimas décadas se tenham decidido, também elas, por se fixar nas
zonas circundantes ao centro de Ponta Delgada.
Em todas estas razões há um factor que lhes é comum: a
construção civil. Foi através da aposta clara na construção de novas
infra-estruturas, por parte dos poderes públicos, que contribuiu
definitivamente para a situação que agora vivemos. Com efeito, comprova-se
agora que não houve nenhuma estratégia por parte de quem nos governou nos
últimos anos no que toca à área da construção civil de novas valências. De
facto, e se analisarmos a situação à luz do eleitoralismo, que depois permite
uma série de poderes a quem governa, consegue-se conceber que talvez seja muito
tentador construir de novo, e inaugurar uma série de serviços, ou fazer uma
série de bairros e novas urbanizações para poder distribuir pelos eleitores. Só
que, como é evidente, qualquer pessoa perceberia que esta era uma situação que
jamais poderia continuar para sempre. Eventualmente se chegaria a um ponto em
que não seria possível, ou necessário, construir mais de novo e que se teria um
problema muito grande entre mãos.
Pois, esse momento chegou. O sector da construção civil, que
tanto emprego garantiu nas últimas décadas, está paralisado, tendo como
consequência o encerramento e a falência de muitas empresas da área e o
consequente aumento do desemprego directamente ligado ao sector. Por outro
lado, temos muitas urbanizações novas a funcionar em pleno, mas temos outras,
as mais recentes, vazias porque simplesmente não há procura em Ponta Delgada
para tanto apartamento ou casa nova. Temos, também, e como sabemos uma série de
hotéis praticamente novos, fechados. E temos uma baixa da cidade Ponta Delgada
descaracterizada e vazia. Evidentemente, a solução passa pela reabilitação do
centro histórico, dando, assim, novas soluções para o sector da construção
civil e, simultaneamente, contribuindo directamente para a inversão do
movimento de abandono da cidade. Tudo depende da revisão da Lei do Arrendamento.
No entanto, uma nova forma de comércio começa a invadir aos
poucos o centro de Ponta Delgada, trazendo novamente pessoas à cidade,
reabilitando também edifícios antigos e dando outro tipo de vida nova à baixa:
o comércio dos chineses. E efectivamente, por muito que se possa ter
sentimentos difusos em relação ao comércio dos chineses, a verdade é que não
fosse por eles, o centro de Ponta Delgada estaria muito pior. Os chineses estão
nos Açores, tal como estão em todo o mundo, apoiados pelo seu governo e
seguindo a política expansionista económica que a China adoptou nos últimos
anos. E não é só em Ponta Delgada que se encontram lojas de chineses de enormes
dimensões, é em toda a ilha, na Vila Franca, na Lagoa, na Ribeira Grande, etc.
A verdade é que estamos num processo de mudança da nossa
sociedade em toda a linha. Como agora se diz, estamos perante uma reforma do
Estado. Mas não se pense que esta reforma se limita apenas às funções sociais
do Estado. Esta mudança é global e exige respostas por parte dos nossos
governantes, sob pena de não termos poder sobre o que será o nosso futuro.
A baixa de Ponta Delgada é apenas um exemplo. Está em
mudança. Já não é o que foi noutros tempos e jamais voltará a ser. Mas, como
sempre acontece, é nos momentos de crise que se fazem os melhores negócios e a
comunidade chinesa está a saber aproveitar da actual situação de crise em que
vivemos, que resulta, por sua vez, da falta de estratégia, e acima de tudo da
fome eleitoralista de quem governou os Açores nos últimos 20 anos.
Existem respostas. Existem soluções. Mas enquanto os poderes
públicos e associações viverem em constantes guerrinhas internas e concentrados
apenas na sua próxima eleição e no seu próprio umbigo, seremos sempre presas
fáceis para quem nos invade pacífica, mas muito organizadamente, de fora.
2 comentários:
Caro Rui Rebelo
Escreveu mais um bom texto sobre a nossa cidade neste tempo conturbado em que vivemos.
Tirando o facto de considerar que a responsabilidade do estado actual é justaposto aos últimos 20 anos de governação e não, como considero em todo o período da autonomia(sem querer recuar mais)...
A própria fotografia do post, nos coloca o problema do desinteresse do governo e da autarquia, face ao imobiliário histórico de Ponta Delgada, onde se visiona o crime que constituiu a destruição duma casa quinhentista em prol dos interesses Chineses(que considero validos, dentro da salvaguarda dos interesses Açorianos).
Sem dúvida que o seu post é uma pedrada no charco no desinteresse que as questões da cidade tem merecido dos poderes públicos, quer sejam os governamentais quer autárquicos.
A cidade tem que ser pensada, como a ilha e os Açores, não são só os estritos assuntos económicos ou políticos que estão em causa, é toda a dinâmica social que esta em causa, desde a cultura à demografia, não pode continuar a ser empurrada, como se não fosse um problema que não pode ser omitido ou adiado.
Penso que o texto levanta boas pistas para este debate necessário, sobre a cidade a ilha e os Açores.
Apoios aos jovens para se fixar na cidade, IMi mais baixo, para pessoas que comprem casas na baixa de Ponta Delgada, acabar com o sistema anacrónico do estacionamento na Cidade e transformar ou mesmo acabar com a empresa que gere o estacionamento em Ponta Delgada.
Parabéns, este post é mais um contributo sério para salvaguardar a blogosfera nos Açores.
Saudações, Açor
A Horta também se transformou numa autêntica "cidade fantasma", embora ali os motivos me pareçam outros.
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