The fog of war – eleven lessons on the life of Robert S. McNamara,
de Errol Morris, é um daqueles filmes essenciais para mim. Já o vi varias
vezes e voltarei a ver muitas outras certamente. E sobre ele já escrevi aqui e aqui, por isso não vou desenvolver muito. Basicamente é um documentário em que McNamara percorre a sua vida. Foi uma vida cheia, rica, mas
difícil. Foi responsável político no ramo militar no país mais poderoso do
mundo durante as piores guerras do século XX. Fez parte do comando militar que
praticamente destruiu o Japão por via aérea (antes de Hiroxima e Nagasaki) e
foi Secretário da Defesa, sob Kennedy e Johnson, sendo responsável directo pelo
envio de milhares de jovens para a guerra no Vietname. Mcnamara tem o sangue de
centenas de milhar, talvez milhões de pessoas nas suas mãos: soldados seus,
soldados adversários e civis. Ele tem essa noção. Ele diz-nos que, caso o seu
país não tivesse ganho, por exemplo, a II Guerra Mundial, ele teria sido
julgado e, provavelmente, executado como criminoso de guerra. É desconcertante,
porque é um homem claramente numa vã mas consciente procura de redenção
pessoal, ou de algum tipo de absolvição. No entanto, simultaneamente, é
extremamente preciso nas suas memórias e quer deixar um legado de conselhos
relacionados com a guerra e sobre o uso da força e do poder para as gerações
futuras. Torna-se claro que é um homem que não tem paz e jamais a encontrará. O
filme é, pois, angustiante, porque criamos empatia com McNamara, apesar de tudo.
Ele fez o que teve de ser feito, talvez para evitar ainda mais mortes,
poder-se-á dizer para o tentar justifica. (O filme está disponível na internet)
Depois, é um filme muito bem realizado por Errol Morris que também
vai conduzindo a entrevista, através dum
mecanismo chamado interrotron que obriga o
entrevistado a manter contacto visual com a máquina de filmar e com os
espectadores, aumentando
de forma magnífica o dramatismo e conta ainda com a música do Phillipe Glass que
vai traduzindo exactamente tudo aquilo que vamos sentindo. O filme é de 2003 e
McNamara morreu em 2009.
Adiante para 2013.
Errol Morris volta ao mesmo modelo, um documentário com outro homem
de guerra, feito exactamente da mesma forma. O sujeito desta vez é Donald
Rumsfeld, outro antigo Secretário da Defesa americano que trabalhou em tempo de
guerra. A ideia é, novamente, revisitar uma vida de decisões que levaram à
violência, ao conflito e à morte. Mas as diferenças são implacáveis, este homem
não está à procura de nenhuma redenção ou perdão como estava McNamara nem,
muito menos, está a pensar em deixar bons conselhos para as gerações vindouras.
Rumsfeld viu o que Morris tinha feito com McNamara e os resultados que teve e
quis o mesmo, quis ficar bem na História. E essa diferença na abordagem ao
documentário acaba por revelar tudo. McNamara fica para a História como um
homem de guerra, culpado de muitas coisas, certo, mas bom na sua essência.
Donald Rumsfeld, pelo contrário, é um homem vil, um tipo que não tem qualquer
respeito pela vida alheia e que, pelo contrario, pensa só em si e nos seus
interesses. É imoral. Sem falar sequer na diferença na dimensão intelectual de
cada um. Tal como McNamara tinha feito,
também Rumsfeld refugia-se em divagações filosóficas para encontrar
justificações para os actos da sua vida. Mas se McNamara o faz com enorme
distinção, Rumsfeld é patético. Aliás, os títulos dos filmes são duas dessas
citações mais filosóficas e resumem bem o nível de intelectualidade
de cada um: The fog of war - eleven lessons on the life of Robert McNamara que é impossível resumir aqui, dada a extensão e variedade questões que engloba
e, no caso de Rumsfeld The unknown known, que basicamente quer dizer que
existem coisas que desconhecemos.
A técnica de Errol Morris despe totalmente o sujeito, deixa-o numa situação em que conseguimos ver através dele com facilidade.
E, sendo um homem evidentemente inteligente e esperto, Rumsfeld saberia que ao
fazer este filme e ao colocar-se nesta posição, iria revelar-se tal como é.
Por isso a ultima pergunta de Morris a Rumsfeld é: porquê? Qual a razão de ele
querer fazer este filme? A resposta: I'll be damned if I know e ri-se com
aquele ar qu conhecemos. Eu arrisco-me a dizer que ele pensou que ia conseguir
enganar e mentir e sair intacto. Afinal de contas, foi isso que fez a vida toda
e em níveis muito mais importantes e com sucesso, por isso faz todo o sentido
que acreditasse que seria possível. Mas não foi. Damned he will be,
São dois filmes praticamente idênticos e no entanto mostram dois
lados completamente opostos da nossa Humanidade.
2 comentários:
Caro Rui Rebelo
Não vi nenhum dos filmes, mas a sua clara abordagem dos mesmos, leva-nos a compreender um pouco da sua essência e mais do que isto faz-nos mergulhar na questão fundamental de considerar que para além dum posicionamento de esquerda ou direita os personagens, sobretudo na guerra têm um estatuto moral e humano, muito para além das suas ideologias ou do respeito pelo cumprimento de ordens, ou do "dever"...
É mais ou menos claro que o segundo personagem é de facto um exemplo claro de quem é imoral e se situa claramente no campo da patologia, não advogo a analise psicológico criminal a partir do aspecto físico dos indivíduos, mas reconheço que neste, tudo é falso e tenebroso, desde logo o seu sorriso cínico...
Desconsiderando estes meus considerandos marginais, só tenho a dizer que o seu texto é de aplaudir, mormente quando se debruça num personagem que é(brutalmente) atacado e defendido por ser de direita e que "dificilmente" é abordado(sobretudo pelos de direita) pela sua psicologia patológica.
Julgo que a compreensão destes casos, poderá ajudar a evitar que mais personagens psicopatas, possam alcançar estes lugares que influenciam o curso da história.
Parabéns pela imparcialidade e pedagogia da sua analise.
Saudações Açor
tem que ver os filmes, açor, o primeiro já está no youtube, o segundo também anda por aí na internet :)
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