03 julho 2008

Uniões entre pessoas do mesmo sexo

Já começam as vozes iradas contra as afirmações [corajosas] de Manuela Ferreira Leite em relação ao tema das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Não concordo com todas as posições de MFL nesta matéria, mas num aspecto estou em total acordo: nomes diferentes devem ser atribuídos a situações diferentes e, por muito que não se queira, uma união entre pessoas do mesmo sexo não é o mesmo que uma união entre pessoas de sexo diferente. À última chama-se ‘casamento’, sempre assim foi, muito embora a definição de ‘casamento’ tenha sofrido mutações ao longo dos tempos, num aspecto nunca mudou, foi sempre entre pessoas de sexo diferente. Há, portanto, uma diferença fundamental, que deve ser reconhecida. No entanto, esta parece ser uma faceta de menor importância da discussão. Aliás, só posso compreender a insistência nesta parte da discussão no âmbito do cariz fortemente provocatório que certos movimentos assumem.

O mais importante devem ser os direitos e deveres e aqui estou em desacordo com MFL. Acho que não se deve discriminar ninguém devido à sua orientação sexual. Deste modo, nas uniões entre pessoas do mesmo sexo, os parceiros devem ter todos os direitos e regalias fiscais que têm os das uniões entre pessoas de sexo diferente. Aliás, penso que é algo que já vigora em Portugal.

Esta discussão só assume um nível verdadeiramente preocupante quando se fala em adopção, porque até aqui parece que com um pouco de bom-senso de ambas as partes pode-se atingir um consenso através de cedências de parte a parte. Mas a adopção já inclui na discussão uma terceira pessoa que, ao contrário dos membros dos casais [sejam de pessoas do mesmo sexo, ou de sexo diferente], não está na equação fruto dos seus próprios actos. Em relação à adopção devemos, portanto, ser muito prudentes. No entanto, não me foi ainda apresentado nenhum argumento suficientemente forte que me faça ser contra a adopção por parte de pessoas do mesmo sexo. Sejam pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, o importante mesmo é que tenham a capacidade de educar a criança.

10 comentários:

João Ricardo Vasconcelos disse...

Bem... Esta é uma discussão que não é a primeira vez que tenho com o Rui Gamboa.

Estou de acordo com o segundo parágrafo. Apenas acrescento que, apesar de aparentemente ténues, existem diferenças entre os regimes das uniões de facto e os casamentos (e.g. heranças, licenças laborais).

Relativamente ao terceiro parágrafo, perfeitamente de acordo.

Quanto ao primeiro, é uma questão que já tivemos oportunidade de discutir. Enfim, continuo sem perceber a sua não cedência quanto à questão do nome. A minha não cedência tem, a meu ver, uma explicação simples: direitos iguais. E se os direitos são iguais, porque não deveriam ter o mesmo nome?

Defender o mesmo nome é uma "provocação"? Não percebo... Acha mesmo que os milhões que o defendem em todo o mundo estão apenas a ser provocatórios? As associações que o defendem fazem-no apenas a título de provocação?
Meu caro, estamos a falar de pessoas que desejam ter direitos iguais. O desejo de igualdade de direitos civis pode ser considerado uma provocação?

Quando analisa a história do alargamento dos direitos civis no Ocidente e no Mundo(igualdade independentemente do estatuto social, das crenças, da raça, do género), acha que algum dos movimentos em causa estava a ser provocatório? E, no entanto, garanto-lhe que lutavam contra normas sociais que "sempre foram assim".

Estou-lhe a ser o mais sincero possível quando lhe digo que não percebo esta sua posição (o tamanho deste comentário demonstra isso mesmo).

Mas ok. Tendo em conta a profundidade dos três temas abordados no post, concordo que este último é o que mais facilmente poderá ser ultrapassado.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Caro JRV,

Eu sei bem que muitas outras lutas existiram contra normas que sempre foram assim e mudaram, e ainda bem. Mas é dessas que reza a História, porque muitas outras também existiram que tentaram lutar contra outras normas que sempre foram assim e continuam a ser, e ainda bem. Portanto, esse argumento não serve.

Concordará comigo quando lhe digo que vivemos em Portugal numa sociedade profundamente conservadora, por isso acho que a forma como os que defendem o casamento entre pessoas do mesmo sexo é provocatória e que acaba por ser contra-producente, porque não reconhecem, ou não querem reconhecer, essa faceta conservadora da sociedade portuguesa. De resto basta ver o tom por vezes chocante que certos movimentos fazem passar a sua mensagem. Mas isso é como a questão dos gostos no post de cima, ou seja o que para mim é chocante, para si pode não ser.

Mas vamos à questão do nome das coisas. Como disse no post, nomes diferentes para coisas diferentes. E uma união entre pessoas do mesmo sexo e entre pessoas de sexo diferente são, e aqui não há subjectividade nenhuma, são mesmo coisas diferentes. Chegando ao ridículo, diria que os membros de casais de pessoas do mesmo sexo querem ser chamados de marido e mulher ou esposo e esposa. Não querem, pois não? Se querem, é ridículo. Se não querem, estão a reconhecer que exactamente são coisas diferentes, que devem ter nomes diferentes.

A conclusão que chego, invariavelmente, quando reflicto um pouco sobre este assunto, é que esta questão do nome, do título, é de tal forma tão pouco importante que não consigo compreender a importância que lhe é dada. Para mim é sempre mais importante os conteúdos que os nomes, que os títulos. Lá está, dada a importância dos outros temas que formam toda este assunto da união entre pessoas do mesmo sexo e a evolução que se tem vindo a observar, não compreendo como pessoas como a Fernanda Câncio dão tanta importância ao nome, ao ponto de livros serem escritos a tentarem comprovar a sua incostitucionalidade.

Cumprimentos

SS disse...

o casamento é uma relação jurídica tão-somente. Assim sendo, casamento é a união entre duas pessoas de sexo diferente até que o legislador altere o Código Civil e diga que o casamento é união entre duas pessoas. Há que retirar qualquer conotação moral, ética ou mesmo religiosa da questão, uma vez que o casamento, independentemente de ser celebrado ou não numa igreja, é uma relação jurídica que tem a sua formalização na conservatória apenas. As consequências desta relação são imensas, como assistência ao cônjuge a nível laboral, partilhas, separação entre tantas outras. É de uma tremenda injustiça que quem decida viver junto com outra pessoa (do mesmo sexo ou não) não tenha os mesmos direitos que tem uma pessoa casada. O casamento já foi uma coisa para a vida, hoje em dia é uma relação muito mais instável e volátil não fazendo sentido, por isso, descriminar uma situação face à outra.

Blueminerva disse...

Segundo MFL o propósito do casamento é a família, a reprodução, logo, segundo MFL as mulheres só devem casar enquanto são férteis... e por aqui me fico.
beijocas e um bom fim-de-semana

Rui Rebelo Gamboa disse...

SB, por isso mesmo acredito que todos esses direitos e deveres devem ser alargados a todas as uniões, sejam de pessoas do mesmo sexo ou não. A questão do nome, é, também por isso, menor. Não compreendo a importância dada ao nome. Cabe ao legislador encontrar uma solução onde esses direitos e deveres sejam uma realidade a todos os casais, mas onde se preservem certos apsectos da nossa realidade social, que têm vindo a ser a base da nossa sociedade desde há muito tempo. Sinceramente, penso que não será difícil atingir essa solução de compromisso.

Blueminerva, a MFL foi corajosa no sentido que sabia bem que as suas afirmações iriam ser alvo de enormes críticas, tal como estão sendo. Estamos a falar de uma mulher com cerca de 60 anos e conservadora. Tal como disse no post, não concordo com muito do que ela disse e essa parte é, aliás, muito fácil de contra-argumentar: quantos casais (de sexo diferente) não podem ter filhos? Muitos. E não é por isso que não se podem casar. Portanto, é uma posição ultrapassada. Mas demonstra o que muita gente, diria eu a grande maioria dos portuguese, pensa sobre o assunto. Daí achar, que devemos, através de um processo de negociação, dar a todos os direitos fundamentais, mas ao mesmo tempo tentar minimizar o desconforto que essa grande maioria terá com esta evolução.

Penso que com uma discussão alargada e aberta, e aqui deve dar-se crédito a MFL, porque falou do assunto, onde a maioria dos conservadores prefere apenas fingir que o assunto não existe, dizia que com essa discussão aberta, pode-se desmistifcar muito e chegar a consensos. Por isso, volto a dizer, que também não compreendo bem a forma como certos movimentos abordam a discussão, preferindo antagonizar a outra parte, que como se sabe, não está, à partida, aberta a sequer discutir.

Cumprimentos!

Anónimo disse...

Concordo com praticamente tudo o referido nos primeiros parágrafos. Até com a questão do nome. Não chamo casal a um par de pessoas do mesmo sexo, portanto não chamaria casamento mas união ou outra coisa qualquer. Mas penso que isso é um aspecto acessório.
Já quanto à adopção por pessoas do mesmo sexo, por uma razão muito importante e que é aqui referida, o facto de estar em causa uma terceira pessoa, existindo dúvida sou contra. Também gostaria de conhecer argumentos de quem defende esta hipótese de adopção. O único que conheço, o que dizem sempre é que os "casais" homossexuais têm direito a ter uma família. Esta afirmação põe-me os cabelos em pé. Então UMA CRIANÇA É UM DIREITO? Um direito adquire-se, conquista-se. Os direitos são os fiscais, os sociais, os civis. Uma criança não é um troféu, é um ser humano, com os seus direitos próprios, não é um direito de outros. A discussão, neste momento, está invertida, está a ser posta em termos de dar uma criança a uma família e não de dar uma família à criança. Esse é que é o direito, o da criança ter uma família e não o da família ter uma criança.
Quando uma criança tem o direito a ter uma família, isso significa que tem o direito a ter um pai e uma mãe. Actualmente, não há dúvidas que, na formação do ser humano é essencial a presença de um pai, ser humano adulto masculino de preferência saudável, e de uma mãe, ser humano adulto feminino de preferência saudável. Que tipo de formação psíquica, mental, moral, que valores, que referências, que tipo de equilíbrio, poderá ter uma criança criada ou educada por dois pais ou duas mães? Não está em causa a capacidade que cada pessoa tem para educar uma criança, que é uma capacidade individual, está em causa a formação e a educação de uma criança por dois adultos do mesmo sexo. Parecendo que não, são duas coisas completamente diferentes.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Cara Ana Rita,

De facto, a discussão está invertida e de tanto de insistir nessa inversão, até pessoas como eu acabam por cair nesse erro. O direito é de facto da criança ter uma família e não o contrário.

Quanto à questão da adopção, por parte de pessoas do mesmo sexo, como disse, até aqui não tinha sido confrontado com nenhum argumento que me fizesse ser contra. Na sua opinião mais que a capacidade individual de cada um para educar e formar uma criança, está o conjunto que forma a família e esse conjunto tem que ser formado por mãe/pai. Não sei até que ponto isso pode ser assim tão linear, pois há casos de sucesso de famílias monoparentais, ou não? Ainda assim, aceito a sua opinião, que acho fazer sentido. O meu conhecimento técnico sobre a matéria, não permite, no entanto, confirmar ou desementir a sua tese que "na formação do ser humano é essencial a presença de um pai (...) ser humano adulto masculino e de uma mãe, ser humano adulto feminino". Se for assim mesmo, não haverá muito mais a acrescentar.

Cumprimentos.

SS disse...

hmm, aquela opinião ali em cima é verdadeiramente preocupante e conservadora. quer queiramos ou não, o rosto daquilo que chamamos de família alterou-se e muito desde a década de 70 DO SÉCULO PASSADO. Famílias monoparentais, divórcios prematuros, segundos casamentos de fachada ou de verdadeiro encontro e união, as adopções e por aí fora numa série de relações interpessoais que se criam e que formam uma família. casais homosexuais é uma realidade já tão assumida que nem faz grande sentido a discussão acerca da possibilidade de poderem constituir uma família.

Anónimo disse...

Rui Gamboa

De facto há muitos casos de sucesso de famílias monoparentais, mas o que significa ser um caso de sucesso? Sucesso porque se consegue sobreviver ou sucesso porque são ambos (progenitor e filho) tão felizes e adaptados como seriam se houvesse mais um progenitor? Eu conheço muitos casos de sucesso em famílias monoparentais. São bem sucedidas porque o progenitor consegue manter o seu emprego e ganhar dinheiro para sustentar a família e porque a criança até consegue ir passando de ano na escola (difícil seria o contrário). Quando a criança/jovem/adulto vai desenvolvendo algum desajuste emocional, de comportamento, no relacionamento com os outros, alguém põe a hipótese de ter havido uma falha na formação da sua identidade, da sua escala de valores, dos seus padrões, pelo facto de ter faltado um elemento naquela família? Normalmente a culpa é da mãe que criou um menino mimado, é da escola ou da professora, ou dos amigos que não prestam. Não sou profissional mas, por necessidade, tenho ouvido opiniões de profissionais e tenho lido algumas coisas. Nunca ouvi (nem li) nenhum que não me tenha dito que isto é verdade e facilmente se pode encontrar na net informação sobre o assunto. Mas a discussão aqui nem é sobre famílias monoparentais. Eu não defendo que não haja adopção por um homem ou mulher solteiros, mas está em causa a adopção por dois homens ou duas mulheres.

sb

A minha opinião não é preocupante nem conservadora, a minha opinião simplesmente não é politicamente correcta porque não está de acordo com a corrente da moda. Não sei se sabe, o mundo não começou na década de 70 do século passado. Antes disso, já existiam divórcios, famílias monoparentais (e muitas vezes mais complicadas porque um dos progenitores tinha morrido), primeiros ou segundos casamentos em qualquer formato que se queira imaginar, adopções, etc. Eu também não defendi que os homossexuais não possam formar as uniões que queiram, longe de mim tal ideia, mas, ao unirem-se e formarem um lar, eles já estão a constituir uma família. Eu acredito que eles têm todo o direito do mundo a fazerem isso, mas o direito dessas famílias não inclui como troféu a adopção de uma criança. Eu disse que achava que uma criança não era um direito, qualquer que seja o formato da família, que, pelo contrário, é um ser humano com direitos, que um dos direitos da criança é ter uma família e que essa família deve ser a família normal (no sentido estatístico do termo), com pai/mãe. Por muito criativa que seja a raça humana a inventar novos formatos de família, ela não se modificou a si própria no aspecto biológico, os cérebros masculino e feminino são diferentes, as questões da identidade, da sexualidade, da feminilidade ou masculinidade não se alteraram.

SS disse...

ana rita,

longe de mim considerar que o mundo começou na década de 70, até acho piada que tenha interpretado assim, apenas a referi porque foi por volta dessa altura que se verificaram grandes movimentos cívicos desafiadores da 'moralidade' vigente até então. foi, sem margem para dúvidas, uma década que marcou-nos até hoje, pois possibilitou-nos a afirmação sexual como um direito inerente à pessoa.
não sei de onde retirou a ideia que a adopção, seja por uma pessoa seja por um casal hetero ou homosexual, constituiria um troféu... não vejo as coisas assim, mas percebo que lá tenha chegado apenas pelo facto de se reclamar tal possibilidade como um direito. e bem, e bem. repare que se lhes recusam esta possibilidade é natural que proclamem-na como um direito, tal não significa que vejam a criança como um troféu. acho que só mesmo uma mente muito maquiavelica poderia lutar pela adopção por parte de casais homosexuais só porque sim, só para demostrarem que podem. fazem-no porque genuinamente querem constituir a sua própria família. não tenho dúvidas que isso é um direito que lhes assiste, tal como não tenho dúvidas nenhumas de que quem constitui uma família responsabiliza-se por ela independentemente do número de pilinhas coabitantes ;)