14 abril 2009

Navios, Aviões e a (Ir)Responsabilidade

Já não valerá a pena dizer que Berta Cabral defendeu, no fim do congresso do PSD em Janeiro deste ano, a rescisão dos contratos com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo [ENVC]. Nem valerá a pena especular sobre o efeito que essas declarações poderão ter tido nas hostes socialistas. Nem muito menos valerá a pena procurar saber se a ida de Vasco Cordeiro para a Secretaria da Economia foi para salvar o caso “Altântida”, ou afastar o próprio da corrida à liderança do PS, ou nenhuma das duas. Porque neste momento há questões mais importantes para tratar, questões de fundo.

O AO noticia hoje [convenientemente] que os novos aviões da SATA, os Bombardier, começarão a voar já em Junho. Ao todo serão quatro Q400 de 80 lugares e dois Q200 de 37 lugares. Ou seja, e segundo os números da própria notícia, passaremos dos actuais 318 lugares, que toda a actual frota disponibiliza, para 394 lugares com os Bombardier. Se, por outro lado, levarmos em linha de conta que, segundo a auditoria do Tribunal de Contas, os dois navios encomendados aos ENVC teriam uma capacidade máxima de 750 passageiros e 140 viaturas [no caso do navio C258, mais conhecido por 'Atlântida'] mais 400 passageiros e 34 viaturas [do navio C259], ficaríamos com um total de 1544 lugares todo o ano para o transporte de passageiros inter-ilhas marítimo e aéreo, mais 174 viaturas. E a questão que se levanta é: sendo a SATA e a Altanticoline empresas públicas, ou seja com o mesmo dono, terá havido uma articulação entre ambas de forma a não haver uma oferta sobre-dimensionada? Será que, na fase de decisão política sobre que tipo de aviões e navios a adquirir, se pensou em estudar os possíveis passageiros que uma e outra poderiam ter, de forma a optimizar a utilização dos equipamentos a comprar?

Esta e outras questões leva-nos necessariamente ao eterno debate do público/privado. Se o dono daquelas duas empresas fosse um privado e se tivesse a investir capital seu e não público, teria outro cuidado, ou não? Porque, no caso do dono ser um político no serviço público, como se vê, se der para o torto, no máximo perde a eleição, mas no caso do dono ser um privado …. bem, no fundo cada um de nós é um gestor privado à sua medida e sabemos bem o que nos acontece caso façamos más opções com o nosso dinheiro.

13 comentários:

Toupeira disse...

Amen, a tudo!

Voto Branco disse...

Caro Rui,
No essencial estou de acordo consigo mas não nos podemos esquecer que os aviões é para operar durante o ano inteiro e os barcos apenas 5 ou 6 meses.
Nesse contexto penso que não se coloca a questão da oferta sobre-dimensionada, até porque a isto acresce a questão preço-rapidez-qualidade.
Agora, continuo sem perceber essa questão do Tribunal de Contas, o qual arrasa todo o processo de aquisição do Atlântida, colocando sobre os ombros do Governo Regional a inteira responsabilidade dos atrasos e derrapagens orçamentais.
Quanto ao Sr. Vasco Cordeiro, parece-me que ainda vai ter que engolir alguns "sapos vivos"... vamos esperar e ver!
Saudações

Toupeira disse...

Já tenho o Frost/Nixon. Amanhã vou ver. Porque falo do filme? Porque o Rui apresento aqui vários pontos para um filme e as suas sequelas sempre com o mesmo protagonista, qual Nixon a tentar manipular um Frost que não se deixa enganar e aponta as incongruências do protagonista. Como diria o ausente Voto Branco, "carago", foi-lhe à jugular!

Toupeira disse...

Afinal o homem anda por aqui e ainda não acertou na jugular!

Anónimo disse...

Berta Cabral em janeiro defendia a não recepção dos navios não por conhecer as só agora conhecidas condições destes, mas simplesmente por oposição ao governo. Politicos destes já nos fartam............

pedro lopes disse...

Caro Rui,

o post é, sem dúvida, pertinente. Não só pelo número de pessoas a transportar, mas também pela questão da carga.

O "Voto Branco" rebate a questão da oferta sobre-dimensionada apresentando como argumento o facto dos Barcos só operarem durante alguns meses do ano. Se assim for, em época alta é capaz de dar para os dois (SATA e Atlânticoline)...?

Mas se, efectivamente, será dificil ter uma lotação de passageiros razoável/ viável durante os meses de Inverno, esta questão poderia resolver-se/ estaber-se aproveitando esses barcos (ou pelo menos um deles) para transporte de carga inter ilhas. Admito que não conheço os volumes de carga que são movimentados inter ilhas. Mas uma coisa é certa, os pescadores das ilhas mais pequenas, queixam-se, há anos, do facto da SATA Air Açores não ter capacidade de levar todo o pescado que eles desejariam, ficando muito dele em terra, irremediávelmente perdido ou desvalorizado. Por isso, pelo menos aqui há um nixo de mercado.

Claro que sei da existência de barcos de armadores que se dedicam, em exclusivo ao transporte de mercadoria e que aportam em várias ilhas. Mas a regularidade com que o fazem não é a que mais satisfaz as populações dessas ilhas e fazem-no com recurso a contentores. Ou seja, poderá (poderia) haver espaço para ambos.
Por vezes falta combustível, outras são os bens com menor data de validade que chegam tarde. Também por altura do Natal os bens tardam em chegar, e têm os pais de dizer aos filhos que o Pai Natal não desceu à sua ilha na noite de 24 Dezembro....

Com uma embarcação de menor porte (recordo que o GR tinha em mente a aquisição de dois navios; o Atlântida e um outro de menor porte), rápida e com capacidade de porão que, não levando viaturas, poderia levar carga, estas questões poderiam ser acauteladas.

Mas, como disse acima, seriam necessários mais dados para aferir da vantagem e conveniência deste duplo aproveitamento.

Nestum disse...

A questão do excesso de oferta, ou da falta de comunicação entre duas empresas que supostamente servem para servir o bem público coloca-se da mesma forma que se colocou os estádios para o euro2004 ou o TGV. Cada um, encarregue da sua pastinha política quer fazer ver ao povo que é um gajo competente e que mostra obra. Seja à custa de más decisões, à custa do endividamento para futuras gerações, seja à custa de futuros dividendos que possa tirar dos favores que fez enquanto detentor de um cargo público.
A questão é que, tal como tu dizes e que eu tb concordo, a política é vista como trampolim que não tem desvantagens. Na política há sempre vantagens, pelo menos para os medíocres. Esses, por mais erros que cometam, não têm nada a perder. Só têm a ganhar. Seja a reforma choruda, o lugar na empresa a quem fez o favor etc, etc.
A política serve para meia dúzia de meninos crescidos brincarem ao monopólio. Brincam com as contas e com o dinheiro dos contribuintes sem qualquer respeito. Daí eu entender que os políticos, deviam responder pelos seus actos, do seu bolso. Fizessem um seguro, pedissem dinheiro ao BES, o que lhes apetecesse. Pelo menos teria a garantia que não falavam de milhares e milhões como eu nem de cêntimos falo.
Muito mais haveria a dizer sobre o assunto, mas como a minha unha encravada do indicador direito hoje está-me a chatear, fica para uma próxima.

cumps.

Rui Rebelo Gamboa disse...

Atenção, meu caro Voto Branco, deve ler bem aquilo que eu escrevo, pois nunca afirmei que a oferta, naqueles termos, é sobre-dimensionada, até porque não posso, porque da mesma forma que não podia afirmar que o navio que apresentei seria a solução ideal, simplesmente porque não tenho conhecimentos técnicos para isso. O que faço é levantar se a questão a oferta é sobredimensionada, por um lado e, por outro lado e principalmente, se o facto de serem duas empresas do mesmo dono que fazem o mesmo serviço [se bem que de formas diferentes], que, aparentemente, não conjugam esforços. No fundo, a questão final é que me parece mais pertinente, ou seja se um privado fosse dono dessas duas empresas certamente que trataria o dinheiro de outra forma, mas como no caso público os políticos entendem o dinheiro como não sendo deles [erradamente], aí tudo torna-se mais fácil e o critério em vez de ser a defesa dos interesses do público que servem, é o seu próprio umbigo, ou seja que corta a fita da obra maior e mais ostentativa. Voto Branco tirou as suas conclusões e fez muito bem sobre as dimensões da oferta, mas por favor, não coloque coisas na minha boca [netse caso letras].

O anónimo mais acima ou é a Dra. Berta Cabral ou então tem capacidades de prof bambo, pois consegue entrar nas mentes das pessoas. E quando diz "políticos desses já fartam" fala de quem? É que, na minha maneira de ver, um político é alguém que está num cargo público de confiança política e mais muitas outras coisas. que eu saiba ninguém aqui reune semelhantes condições.

Voto Branco disse...

Caro Rui,
Não coloquei nada na sua boca, obviamente porque sei que o Rui estava a levantar questões válidas (ainda sei o valor de um ponto de interrogação) e eu apenas disse que a questão do sobredimensionamento não se coloca, isto claro na minha modesta opinião. Perdoe-me se me expressei mal.
O Pedro falou na questão de poder aproveitar os barcos para transporte de mercadorias durante o resto do ano e eu desde já considero uma ideia muito válida. Mas porque será que os nossos politicos não têm ideias destas? É algo que me deixa "atazanado da moleirinha"!
Quanto ao anónimo penso que se referia á própria Berta Cabral, foi o que eu deduzi... mas será que ela já não sabia em Janeiro (por debaixo da cortina) dos problemas que afectavam o Atlântida e por isso pedida a sua devolução? Não nos esqueçamos que ela tem muitos "adeptos" dentro dos serviços do governo, e muitos até já estão na prateleira... e mais não digo!
Eu continuo a achar que esta coisa do Atlântida ainda vai fazer correr muita tinta... e aproveitando a "dica do Rui sobre a questão da empresa privada, eu acrescento: será que não seria mais vantajoso ao governo entregar a concessão a uma empresa privada? Penso que vamos bater na mesma questão que afecta o mercado dos transportes aéreos: FALTA A LIBERALIZAÇÃO!
Saudações

Rui Rebelo Gamboa disse...

Caro Voto Branco,

Já o meu caro Legoman me diz, em privado, que temos que dar sempre o necessário desconto quando se dialoga por esta via, porque pode levar a más interpretações que o diálogo cara-a-cara não tem. Neste caso, admito que fiz uma interpretação errada das suas palavras e que eu próprio, ao reler agora o que escrevi, não expressei o que queria. É também a questão da velocidade com que geralmente aqui venho, que não dá lugar à necessária ponderação. Fica o meu lamento.

A questão da liberalização dos transportes marítmos é que está subjacente nesta trapalhada 'Altântida'. E como em quase tudo na vida, tenho um princípio, mas depois tento saber o mais possível, para poder opiniar convenientemente. Assim, neste caso, por princípio, sou a favor da liberalização, no entanto, compreendo as especificidades do nosso mercado e, deste modo, os argumentos que dizem que a total liberalização do, por exemplo, transporte aéreo não iria favorecer de igual modo todas as populações de todas as ilhas. Dito isto, por aquilo que me é dado a perceber, acho que o transporte marítimo tem outras condições, desde logo porque já há privados que operam inter-ilhas e que poderiam fazer transporte de mercadorias.

Mas, sinceramente, é-me muito difícil fazer esse tipo de conclusão, porque seriam precisos estudos detalhados sobre as quantidades a transportar, os passageiros [quantos e em que alturas do ano], as condições do mar durante todo o ano, para depois se partir para a questão da aquisição dos equipamentos que melhor serviriam as condições que fossem apuradas nesses estudos. E, sendo o mesmo dono das duas empresas que fazem o transporte inter-ilhas de mercadorias e passageiros, seria obrigatório uma conjugação de esforços, para atingir a meta final: servir toda a população da melhor forma possível.

Luís Almeida disse...

Só para dizer que o Açoriano Oriental não noticia por outra conveniência que não o dever de procurar informação que marque a actualidade e seja do interesse público, de modo a divulagá-la junto dos seus leitores. Foi esse caso.
Paula Gouveia

Voto Branco disse...

Mas não deixou de ser conveniente, pois não?
Tenha sido o dever de informar ou outro qualquer motivo, a verdade é que ajudou um pouquinho a desviar o assunto: Atlântida!
Agora parece que alguém enfiou o barrete...
Saudações

Rui Rebelo Gamboa disse...

Deve-se partir do princípio que se trata da mesma pessoa que coloca o seu nome sob a notícia do texto a que faço referência?

Se sim, tenho pouco a dizer, até porque o Voto Branco já retirou a conclusão de forma fatal e eloquente.

No entanto, acrescento apenas que tenho perfeita noção da necessidade que os meios de comunicação social nos Açores têm de notícias regionais. Dito isto, é apenas normal que cada notícia [ou espécie de notícia] que os organismos oficiais de governo colocam cá foram sejam usados pelos jornais, tv, etc. Poderiam fazer um esforço para disfarçar qualquer coisa, mas isso já nos levava para outras discussões.

No fim, a questão é óbvia, mas eu ajudo: não quis de forma nenhuma de colocar em causa a intenções do Açoriano Oriental, porque, até ao seu comentário, a minha impressão era que aquela notícia é conveniente apenas para o Governo regional.