Como já tinha escrito aqui, tornar obrigatório o voto não é a melhor forma de incentivar os eleitores a participarem nos actos eleitorais. Não esperava voltar a falar do assunto, pelo menos tão cedo, mas o senhor Carlos César voltou à carga, desta vez indiciando tiques de sobranceria intelectual pouco condizentes com o cargo que exerce.
Com efeito, fazendo fé no AO, o senhor César voltou ao tema da abstenção dizendo e cito: « É estúpido deixar que os outros decidam sobre todas as questões que nos dizem respeito. ». Dando de barato que o senhor César votou e que, votando, escolheu um partido, no respectivo boletim de voto, ao lado de cujo nome apôs a legal cruzinha, resta-nos olhar para as suas palavras como um meio de voltar a falar da tão malfadada abstenção que desta vez não deu jeito nenhum.
Não vou repetir o que já escrevi aqui, mas, partindo da frase proferida, escrever o que na altura não escrevi.
Antes de mais, não esquecendo nunca que as interpretações são subjectivas, o que resulta da frase acima citada, como primeira interpretação, é que quem vota é inteligente e os restantes são outra coisa.
Nas eleições regionais de 2008, o partido liderado pelo senhor César obteve 45.070 (49,96%) votos, num universo de 192.956 inscritos, tendo votado 90.221 (46,76%) eleitores e sido não inteligentes 102.735 (53,24%) inscritos. Nas eleições europeias, o partido de que o senhor César é militante obteve nos Açores 16081 (32,86%) votos, num universo de 225552 inscritos, tendo votado 48941 (21,7%) eleitores e sido não inteligentes um pouco mais de 180.000 açorianos (É só fazer as contas, como diria um antigo Primeiro Ministro).
Olhando para os resultados eleitorais e para o que está subjacente à ideia do voto obrigatório e, à primeira vista, ao conceito de legitimação eleitoral extraido das palavras do senhor Carlos César, sempre se poderia concluir que o mesmo nunca deveria ter aceitado exercer o cargo que ocupa:
em primeiro lugar, por os não inteligentes serem em número superior aos inteligentes; em segundo lugar, porque a rácio entre os não inteligentes e os inteligentes que o elegeram é de uma disparidade tão assustadora que leva à óbvia interpretação de que terá sido eleito por uma ínfima minoria, carecendo, em conformidade, da etérea legitimidade democrática; por último, mas não descurando, uma vez que aceitou exercer o cargo naquelas condições, deveria considerar a respectiva demissão, face aos resultados das eleições europeias, exactamente porque muitos dos inteligentes de Outubro de 2008 deixaram de o ser em Julho de 2009, sendo certo que, muitos deles, terão votado no partido do senhor Carlos César. Se a legitimidade democrática advém da inteligência...
Segundo o AO, o líder socialista regional atribuiu algumas culpas na derrota eleitoral das Europeias, ao discurso de Vital Moreira.“Percebemos ao longo da campanha que as afirmações dele sobre a autonomia não iriam sair incólumes no resultado eleitoral”, terá afirmado. Nesta estrita perspectiva, e sabendo-se o que a autonomia representa para a maioria dos açorianos (digo maioria, por causa dos acontecimentos de 06 e 17 de Junho de 1975 que o Rui lembrou aqui), poderá sempre dizer-se que, provavelmente, houve inteligência... a mais!
No entanto, se a abstenção é, actualmente, o tema mais importante na agenda política regional e nacional, então todos deveremos contribuir com a nossa opinião.
O senhor Carlos César, com a habitual sagacidade e inteligência políticas, já o fez, nos termos conhecidos.
Da minha parte, também já contribuí, opondo-me ao voto obrigatório, afirmando que praticaria desobediência civil, caso o mesmo fosse instituido.
Mas, como me preocupo bastante com o assunto, não poderia deixar de acrescentar as seguintes sugestões:
1 - Alteração do regimento da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores, no sentido de proibir a abstenção dos deputados em qualquer votação. É o mínimo que se lhes pode exigir: pensar, discutir e decidir!
2 - Olhando para a sua própria casa partidária, lembrar ao senhor Carlos César que tem como deputado um senhor, cujo nome desconheço, mas que pura e simplesmente faltou à votação de uma proposta da qual era subscritor, sem que até à data fosse dada qualquer explicação aos inteligentes (já não digo para os outros) que não fosse a circunscrição às "razões familiares", seguida de um arrozoado ininteligível (pelos menos, para os não inteligentes) sobre a alteração ou não do resultado da votação, pelo que, depois disto, no mínimo e por coerência, deveria exigir a sua demissão ou a passagem a independente.
Seria, digamos, inteligente e talvez os não inteligentes se tornassem inteligentes, a bem da Região.
8 comentários:
Os sinais vão surgindo um pouco por todo o lado; aquele interesse por proteger os açorianos e colocá-los acima de tudo e defende-los de tudo já passou. Agora, outros interesses devem estar a falar mais alto.
Todos os açorianos, os que votaram e ou outros, devem-se levantar agora em protesto por este insulto. É que não tem outra forma de adjectivar.
Também sou contra o voto obrigatório. Já tinha pensado também o que seria dos órgãos parlamentares com voto obrigatório e sem regime de faltas.
Tens razão, que se começe primeiro pelos órgãos políticos e já agora que os próprios partidos que venham a defender o voto obrigatório que o apliquem nas suas eleições directas.
Bom post, o Máquina de Lavar nos últimos tempos tem sido de longe o melhor blogue endémico.
Haja saúde
Caro Sr. Gonçalves,
Simplesmente fabuloso o seu post!
Excelente leitura dos factos e superior desmultiplicação da "mega-estupidez" que o Sr. César se lembrou de dizer. E isto com uma linguagem perceptível para os "estúpidos" e os "não estúpidos"!
Em tempo escrevi sobre o Voto Obrigatório made by César:
A verdadeira liberdade significa termos o direito de livremente decidir, usar ou deixar de usar o voto como forma de dever civico. Os Césares deste país têm que aprender a ver os seus cidadãos, não como escravos ou mentalmente incapacitados, mas sim como seres humanos dotados de inteligência e com a liberdade de fazerem as suas escolhas.
Esta é a humilde opinião de um ser livre e avesso a quaisquer trogloditas que se acham com superioridade intelectual e moral para dar-nos sermões sobre o que é a democracia!
Depois desta "tirada" do Sr. César, pois mais há a dizer!
Com a eloquência que lhe é conhecida - que por acaso tem para dar e vender (ao contrário de alguns seres que se acham "não estúpidos" mas que afinal são mais "estúpidos" que nem uma porta) - subscrevo integralmente o post deste Magnifico comentador!
Saudações
Não pretendendo ser defensor do Presidente do PS devo acrescentar à discussao o seguinte: Carlos César disse que considerava estúpido não votar, como podia dizer que considerava estúpido outra acto qualquer, como por exemplo as sortes de varas há tão pouco tempo defendidas por alguns no Parlamento Regional. Não disse portanto que era estupido quem não votava. Não chamou estúpido a ninguém. Acho que está havendo uma errada interpretação daquilo que o homem disse. Eu diria mais:Não votar é não participar, é não querer ser responsável por uma escolha. Como chamar a este acto? Normal? Correcto?
Quem escreve assim, não tem alzaimer. :D [é humor negro, mas é adequado]
Excelente postal. A estupidez não pode ser medida por este prisma.
Talvez na ânsia de agradar aos jotas socialistas, o Carlinhos se tenha excedido. Estúpido não é adjectivo para rotular quem o colocou onde ele está há mais de doze anos. Um verdadeiro César ao estilo Romano nos Açores.
O autor do postal, também levanta várias situações que merecem o meu aplauso. Refiro-me ao voto obrigatório dos deputados, pois são eles quem deve dar o exemplo.
Mas esses senhores deputados, não olham para baixo para o povo. Enquanto o povo sofre e tem aumentos miseráveis, os senhores deputados decidiram o ano passado aumentar o seu ordenadão em 7%. Coitadinhos, já trabalhavam tanto por tão pouco. Tenham mas é vergonha na cara.
ZEZE
Abra a pestana, não seja literal, interprete, ponha os neurónios a funcionar. Leia Eça, leia Filaho....
Zé,
Adjectivar um acto de estúpido não é chamar a pessoa de estúpido, é apenas dizer que ela foi estúpida naquele momento. E como a abstenção durou um dia inteiro, podemos dizer que César chamou estúpido a 80% da populaçao, pelo menos durante aquelas horas do dia 7. Mas isto é uma discussão infrutífera. Por isso adiante.
Abster-se de votar é um direito que assiste a um cidadão. Quando um representante eleito, que jurou defender os preceitos legais que conduzem a sua sociedade, cataloga um dos direitos vigentes nesse quadro legal como "estúpido", está, parece-me, em contradição com o seu juramento (no minimo).
Depois há a interpetação política. Talvez seja discutível tudo que acima escrevi, talvez haja espaço para outras opiniões. Mas o que é inegável é que esta afirmação foi contraproducente politicamente para Carlos César. E quem, como nós, conhece-o como um político sagaz, deve estranhar uma afirmação desta natureza.
Das duas, uma: ou está a perder essa sagacidade, ou está já a pensar noutros planos que não incluam os açorianos e os seus votos. O meu primeiro comentário foi no sentido da 2ª hipótese.
Obviamente, senhor Rui, concordo com este último parágrafo. Julgo que o senhor José quando falou na sagacidade e inteligência políticas o fez num sentido irónico. Mas, claro, como tudo é subjectivo, só o próprio o poderá confirmar.
Além disso, uma achega: se o senhor César acha estupido deixar outros decidir por si, porque não propor o alargamento do instituto do REFERENDO, cuja consagração constitucional nos moldes actuais é vazia de conteúdo? E já agora, para transparência política total, porque não explica aos eleitores os critérios de escolha dos deputados do seu próprio partido? Talvez fosse interessante ouvi-lo explicar algumas escolhas...
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