07 março 2012

A Renegociação do Acordo Bilateral

A localização geográfica dos Açores, entre a Europa e o continente americano, confere-nos elevada importância no âmbito das relações geopolíticas. Com efeito, nas duas guerras mundiais que se disputaram no séc XX, os Açores assumiram um papel de relevo para o resultado final. Aliás, na segunda guerra mundial, tanto os alemães, por um lado, como ingleses e americanos, por outro, negociaram com Salazar a ocupação dos Açores, na certeza que para o desfecho muito dependeria a chamada “Batalha do Atlântico” e a preponderância sobre os Açores. Com a sua reconhecida sagacidade e enorme capacidade de negociação, Salazar soube, na devida altura, chegar a acordo com os Aliados. Assim, e apesar de ter sido oficialmente um país neutro na II guerra mundial, Portugal acabou por ser fundamental para os interesses dos Aliados, devido à cedência da base das Lajes. Com o fim da II Guerra Mundial, abriu-se a Guerra Fria entre o Ocidente e o bloco comunista. Não obstante Portugal ser à época um regime ditatorial e de não ter sido directamente atingido pela guerra, passou a fazer parte da Aliança Atlântica e beneficiou do plano de ajuda à Europa pós Guerra. A razão única por que Portugal entrou nesse lote de países, que beneficiaram de um enorme desenvolvimento, foi os Açores e a base das Lajes. Ou seja, os Açores, com a sua importância geoestratégica, contribuíram activamente para aquilo que acabou por ser a realidade política nacional do séc. XX e tiveram, igualmente, um efeito inquestionável na II Guerra Mundial e, consequentemente, sobre o quadro político internacional que se seguiu.

A guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética colocou os Açores exactamente no meio do conflito. Por esta razão, a base das Lajes era considerada essencial para a política externa norte-americana assente na dissuasão, o que fez com que os Estados Unidos se empenhassem para a manter. O General Calvet de Magalhães afirma, num dos seus artigos de investigação sobre esta matéria, que o acordo de 1983, por exemplo, previa uma contribuição financeira de 400 milhões de dólares em dádiva e mais 255 milhões na forma de crédito a longo prazo, por parte dos EUA a Portugal. Assim se vê quantitativamente a importância que os Açores tinha à época para os norte-americanos.

No entanto, essa importância foi-se esvaindo. Assim, a última versão do acordo, que data de 1995, prevê apenas, no seu artº 6º, a necessidade de se criarem programas que visassem o desenvolvimento económico e social dos Açores. Mas, na verdade, a partir daquela data a única mais-valia que os Açores têm, pelo facto dos americanos estarem na base das Lajes, é o acordo laboral para os trabalhadores portugueses na base.

Actualmente estamos num momento de renegociação do Acordo, por iniciativa do lado americano, no âmbito dos cortes na despesa militar dos EUA, da administração Obama. E para nós, Açorianos, este é um momento que deve ser encarado com grande coragem na defesa dos nossos interesses. No fundo, estamos a falar da cedência do nosso território para que os Estados Unidos possam projectar o seu poderio militar no mundo, factor que lhes é essencial para o seu desenvolvimento económico. Apesar de ser um facto que o centro das relações geopolíticas se deslocou para Oriente, esvaziando, assim, alguma importância geoestratégica dos Açores, a verdade é que o arquipélago mantém ainda espaço na política externa dos EUA, como se vê. Mas temos que ser realistas e perceber que além do mundo ter mudado, em termos das relações internacionais, a própria tecnologia militar desenvolveu-se. Hoje em dia, é possível comandar aviões em combate no Afeganistão a partir dos EUA. Ou seja, é apenas natural que os EUA pretendam reduzir o contingente de pessoal efectivo fora dos EUA. É algo que decorre da própria evolução das coisas.

Os Açores não são um Estado soberano, portanto a nossa presença e a nossa capacidade de influenciar as negociações estão dependentes da posição do governo de Lisboa. Desta forma, é necessário, antes de mais, os Açores acertarem a posição com Lisboa. E é em ocasiões como esta que se afirma uma Autonomia adulta. O que desejam os Açores desta cedência da Base? Manter o actual quadro dos trabalhadores portugueses? Sim, claro. Estamos a falar dum enorme peso para a Economia terceirense. Mas, perante a intenção norte-americana de baixar o contingente militar, perante a certeza da perda de importância geopolítica dos Açores, será expectável alguma quebra no que respeita à força laboral associada aos norte-americanos na ilha Terceira, com tudo o que isso significa para a Economia local.

Por estas razões, e voltando ao prévio entendimento necessário com Lisboa, os Açores devem tentar reorientar as contrapartidas dadas pelos EUA, retirando do apoio militar a ceder a Portugal para dar ao real problema actual dos Açores: desenvolvimento económico e de desemprego. Por isso, devemos procurar que o próximo acordo salvaguarde a criação efectiva de programas que contribuam para o desenvolvimento económico da região. Podemos e devemos procurar outras formas de cooperação. Mas para isso, há que ter uma estratégia interna de combate ao desemprego e de criação de riqueza, que não há como se sabe e como se vê. Só com essa estratégia bem delineada é que poderíamos reclamar objectivos concretos. De resto, a tão badalada incapacidade diplomática portuguesa não passa de uma consequência de não haver estratégias internas. Salazar, apesar de tudo, tinha a sua estratégia, pelo que sabia o que pedir e exigir nas mesas das negociações, em prol dos seus interesses. Por isso a diplomacia portuguesa do Estado Novo tinha sucesso.

Existem outras formas de se beneficiar do acordo bilateral. Os Açores são a parte essencial deste acordo, pelo que não podemos ficar passivos nesta questão. A redução anunciada pelos EUA não é apenas ameaça para ganhar argumento na mesa das negociações. Vai certamente acontecer, piorando ainda mais a situação de desemprego nos Açores. Portanto, é com a prioridade de combater o desemprego e dinamizar a nossa Economia que devemos encarar esta renegociação. No fundo, estamos novamente a falar de mudança. Há que mudar a forma como olhamos até agora este Acordo e saber usar a nossa Autonomia para aquilo que ela efectivamente existe: defender os interesses dos Açorianos.

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