24 novembro 2012

A próxima queimada


O PSD/Açores foi estrondosamente derrotado nas eleições regionais. Ao contrário de muita gente, não subscrevo por inteiro a tese de que a culpa foi de Passos Coelho. A ideia é simplista e permite que “os baronetes” se escudem e escondam. Por outro lado, também não se pode culpar exclusivamente Berta Cabral. É certo que as bases lhe deram tudo o que pediu, é certo que teve toda a liberdade  para fazer  escolhas; é certo que delineou estratégias como e com quem quis, mas também é certo que é exactamente isso que se espera de um líder: capacidade para escolher e decidir. Sendo humana, errou. Apostando na mediatização personalística, errou na escolha de boa parte das segundas figuras, independentes ou militantes, porque incapazes ou pouco motivadas ou ilusoriamente motivadas. E a prova verificou-se na noite eleitoral. As bases estiveram presentes; a maior parte das segundas figuras debandou em busca de novas palavras para velha semântica. Que fique claro, pelo que ouvi nas ruas (que as catedráticas segundas figuras não frequentam e não escutam), o povo até acreditava nela. O problema era (foi) a sua equipa. E isso, na dúvida, ajudou a decidir.
A derrota eleitoral do PSD/Açores não aconteceu naquele dia. Começou muito antes. Começou na sua autofagia. Começou naquilo que não é o seu forte: organização, estratégia, unidade.
Atendo-me somente à organização (sem a qual o resto irreleva), o que se verifica é que o PSD/Açores, vivendo à volta de um núcleo de notáveis ou pseudo-notáveis, uns de qualidade inquestionável, outros confrangedoramente inúteis, é incapaz de mobilizar os militantes, valorizando-os,  e, acima de tudo, responsabilizando-os, ao atribuir-lhes funções concretas a realizar no caminho que conduz ao poder. Isso, sim, é trabalhar em equipa; isso, sim, é unir em torno de um objectivo comum.
Mas, pior, se existe algum afastamento em relação aos militantes, não deixa de ser preocupante a atitude relaxada, quase envergonhada, relativamente àqueles que são ou foram a cara pública do partido. Com efeito, aos candidatos nada lhes é (foi) exigido, publicamente exigido. Estes comportam-se (comportaram-se) como primas donnas, intocáveis na sua sapiência, intocáveis na sua função, aguardando que os “cola-cartazes” agissem por eles. Um candidato deveria agradecer por ter sido escolhido; um candidato deveria ser humilde porque a sua escolha lhe impõe responsabilidades e, no mínimo, a primeira é a de dar a cara, nos bons e maus momentos, respeitando quem os escolheu, respeitando as bases que, na acção, os substituíram.
Sem isto, pouco importa o que faça ou diga quem circunstancialmente (e não deveria ser circunstancial) lidere um projecto. Este, por muito que se não queira, está votado ao fracasso.   
De onde vem e o que faz o mundo? Eis uma pergunta que as “elites” são incapazes de responder. O conjunto de factos irrisórios do quotidiano que se vão aglomerando e unindo, sem aparente ligação, não lhes merecem reflexão. Enquanto epifenómenos, na essência, não suscitam acção. Quando fenómenos (políticos) terão reacção. Tardia, porque o adversário se antecipou.
A organização (ou a falta dela) desvalorizou, desprezou, invejou, até, aqueles que desinteressada e voluntariamente se colocaram à sua disposição para pensar e definir uma estratégia vitoriosa (lembro o grupo de S. José, como exemplo maior, mas replicado por vários locais e ilhas). Sem surpresa, uma vez autofágico…
Finalmente, porque estrategicamente errado, primariamente errado, o centro do descalabro conselheiro: x9 = x8. Jamais se poderá compreender e admitir que um partido que quer governar não se apresente em todos os círculos eleitorais, qualquer que seja o fundamento político. E, convenhamos, o do Corvo é absolutamente ridículo e fará mossa durante mais tempo do que aquele que a curta táctica anteviu e do que os corvinos merecem. Quem ganhou o quê no Corvo?
Noutro tempo e noutro lugar, por pouco tempo, exerci funções partidárias. Como naqueles, neste tempo e neste lugar, o PSD continua igual a si próprio. 
Lamento perguntar, mas, perante o quadro que se adivinha, onde será a próxima queimada?


* texto escrito em 23 de Outubro, mas hoje tornado público apenas porque o PSD/A irá a votos proximamente.

5 comentários:

Anónimo disse...

Finalmente, caro Gonçalves, você decidiu olhar para dentro do seu partido. Nao sei se voce é porta voz mas conheço militantes do PSD que fazem criticas parecidas. Parece-me que foi frontal demais. Se você ambicionava algum cargo no partido acabou de atirar tudo por terra. Essa malta nao perdoa a verdade. Tambem me parece que nao disse tudo o que lhe ia na alma mas percebo que falasse ja que ha candidatos em s. miguel que sao um atentado.

Anónimo disse...

Como gostei daquela parte da açao-reaçao que subscrevo deixo aqui uma açao:
Grupo Parlamentar do PS/A reúne 2ª feira com a Comissão de Trabalhadores da Base das Lajes

O Rodrigo oliveira mete a pata na poça em pleno parlamento. O PS age. e onde anda o PSD?

Anónimo disse...

Caro José Gonçalves
Julgo não errar se dizer que este post foi dos melhores que o vi escrever.(É claro que este meu comentário é subjectivo)...
Se bem se lembra, muitas dessas considerações(com o justificado desconforto do José)fui dando nota nos meus comentários, disse que antes de ganhar eleições havia que arrumar a casa, também lhe disse que alguma falta de organização e centralismo orgânico, contra a dinâmica e pro-actividade dos militantes, era implementado Nacionalmente(como a feitura dos discursos e toda a organização de base)e por isso disse que os militantes de base se limitavam a saber ler e a falar alto, tudo o que era escrito centralmente...
Independentemente de considerar que os principais erros são sempre internos, não posso desconsiderar a influencia negativa que teve a conjuntura politica referente ao Governo, PSD/CDS de Passos e Companhia, refiro que disse no Ilhas ao estimável JNAS, que a vitória de Passos era um presente envenenado para o PSD Açores, pois ponha em causa a vitória do PSD, Açores em Outubro( não foi adivinhação, mas analise da situação politica criada com a eleição de Passos Coelho e a minha quase certeza, que seria desastrosa e com efeitos nefastos nos Açores.
Mas independentemente de algum desnorte´, pós eleitoral(considerações minhas)o José Gonçalves "redimiu-se" exemplarmente e escreveu um texto incisivo e elucidativo da situação existente no PSD e propedêutico em relação ao futuro, um autentico manual de como transformar democraticamente(e julgo que ideologicamente) o PSD...
Os Açores necessitam dum PSD interventivo, fiscalizador e reformador...
Os meus parabéns por este tocar a reunir no seio do seu Partido.
Saudações,Açor

Anónimo disse...

Gonçalves

sao palavras vãs. Voce criticou tarde mas creio que terá sido porque lhe custa bater nos seus. Criticou bem mas creio que o PSD prefere ignorar, como ignorou o JNAS. Acham eles que se ignorarem é porque nao existe. Parecem a avestruz, mete a cabeça na areia e pronto desaparece da vista. Tenho curiosidade para saber os resultados em s. miguel por aquilo que todos sabem. Eu que votei contra Carlos Cesar e nada tenho a ver com o PSD gostaria de ver uma candidatura de pessoas que nada tivessem a ver com a situaçao. Infelizmente ninguem vem para a frente. Avance JNAS mesmo que perda.

Rui Rebelo Gamboa disse...

sem tirar nem por, subscrevo totalmente.