A propósito do lançamento do livro Carlucci vs. Kissinger e porque é um tema do nosso interesse, apresentamos um relato da autoria do Cônsul em Ponta Delgada para o Secretário de Estado norte-americano, datado de 25 de Novembro de 1975 sobre a Junta Regional dos Açores [que se perdoe a tradução feita em cima do joelho]. O documento original pode ser visto aqui.
“1. Sumário. A Junta Regional dos Açores foi criada em Agosto sem poderes definidos, desde essa altura desenvolveu-se num Governo Autónomo Popular. Fim de sumário.
2. A Junta foi criada após decreto em 21 Agosto com o fim de ser um governo de transição, encarregue ao mesmo tempo de escrever um Estatuto de Autonomia para os Açores, uma espécie de Constituição para um Governo Autonómico. O Decreto era vago, não concedia à Junta muitos poderes, ficando directamente dependente do Primeiro-Ministro. A Junta é composta por 7 pessoas, um Presidente, o Governador Militar dos Açores e seis membros, dois de cada um dos três distritos dos Açores. O General Magalhães, Governador Militar dos Açores, com base em recomendações feitas pelos Partidos políticos e outros, escolheu os seis membros, dando ao PPD quatro lugares e ao PS dois lugares, basicamente segundo os resultados das eleições. Há indicações que nem todas as primeiras escolhas aceitaram servir a Junta. Cada um dos seis membros está responsável por vários sectores de governo, de acordo com os seus interesses e experiência.
3. Membros
A. Presidente: Gen Altino Pinto de Magalhães é natural de Trás-os-Montes e chegou aos Açores ainda como um jovem oficial. Tornou-se Governador Militar em Janeiro de 75 e tem tido um papel político importante desde as manifestações de 6 de Junho. É fortemente anti-comunista e um moderado que simpatiza com as aspirações açorianas pela Autonomia, mas é contra a independência. O General orgulha-se das suas capacidades negociais e encanta [palavra é charms] a maioria das pessoas com quem fala, com a sua simplicidade e cordialidade. Embora nem todos concordem com as suas opiniões, é respeitado por todos pela sua integridade e capacidade de trabalho.
B. Dr. António de Albuquerque Jácome Correira, nomeado pelo PPD do distrito de Ponta Delgada, responsável pela Agricultura, Pescas e Indústria. Dr, Jácome Correia, que foi recentemente eleito vice-presidente da Junta, é Veterinário, com ligações à sociedade de São Miguel. É independente politicamente, com posições entre o CDS e o PPD. Nas outras ilhas criticam-no por pensar só em São Miguel.
C. Dr. Henrique de Aguiar Oliveira Rodrigues, membro do PPD, de Ponta Delgada, responsável pelos Assuntos Sociais, Saúde, Trabalho e Emprego e Emigração. O Dr. Aguiar é cardiologista nos seus trinta e muitos anos, que está a sacrificar a sua vida profissional para servir na Junta. Em contraste com o Dr. Jácome Correia, tem uma perspectiva geral dos problemas dos Açores.
D. Dr. José Adriano Borges de Carvalho, membro do PPD do distrito de Angra, responsável pelas Finanças e Coordenação Económica. José Adriano anunciou a sua retirada da Junta, um facto que a maioria atribui à sua imaturidade [tem 24 anos] e personalidade problemática. O PPD de Angra nomeará um substituto para o seu lugar.
E. Eng. Leonildo Garcia Vargas, membro do PS do distrito de Angra, responsável pela Administração Local, Pessoal e Ambiente. Vargas é Engenheiro Eléctrico e é considerado capaz e recatado que não impõe a posição socialista.
F. José Pacheco de Almeida, membro do PPD, do distrito da Horta, responsável pelo Turismo, Comércio, Transportes e Comunicações. Almeida, em muito um “selfmade”, tem a reputação na sua ilha de ser um lutador. Trabalhou no passado nas primeiras tentativas para criar um plano geral económico para o arquipélago.
G. José Martins Goulart, membro do PS, da Horta, responsável pela Educação, Investigação Científica, Cultura e Comunicação Social. Goulart tem 27 anos e passou sete anos em Universidades a estudar Engenharia Eléctrica. È o porta-voz dos socialistas na Junta. É controverso e admite ferver em pouca água [a palavra é “excitable”] e ser um mau político.
4. Como funciona?: O Decreto que estabeleceu a Junta diz que tem os poderes que o Governo da Republica delegar nela. Mas na verdade a Junta, desde o começo, assumiu cada vez mais responsabilidades para o governo dos Açores. Como disse um membro, a Junta consulta com o Governo quando este mostra-se cooperante, de outra forma a Junta decide e depois informa Lisboa. Os membros da Junta tomaram gradualmente a gerência de cada uma das áreas por que cada um é responsável, das Juntas Gerais de cada distrito que, antes, decidia directamente com Lisboa. A Junta tem várias reuniões por semana para discutir as políticas e os problemas que precisam da atenção geral. Porque a Junta tornou-se num Governo Regional, um problema sério surgiu: a Junta não tem nem pessoal, nem condições para operar convenientemente. Cada membro da Junta tem um assistente com quem partilha um escritório. Para além disso, há alguma assistência secretarial. Todos os membros afirmam não ter o tempo necessário para estudar os problemas que lhes são levantados, pelo que têm que tomar decisões rápidas. Estão tentando encontrar gente qualificada para servir como “secretários de Estado” para cada um dos sectores de Governo, de forma a permitir aos membros concentrarem-se nas políticas.
4. Recursos. O Governo Central deu à Junta quatro milhões de dólares, além do dinheiro já colocado à disposição dos Açores, que a Junta está a usar para uma série de projectos, sendo o mais espectacular a criação de uma Universidade dos Açores.
5. Autonomia: Está claro que a Junta acha-se um Governo Autónomo. Talvez a melhor forma de ilustração desse facto, será a forma como Goulart nos disse que quanto a Junta preparou a sua declaração de 15 de Novembro, rejeitou cuidadosamente qualquer linguagem que indicasse que a Junta estivesse sujeita ao Governo de Lisboa. Espera-se, nos próximos dias, que a Junta evolua para um Governo Autónomo, após deliberação ministerial.
6. Comentários: A Junta Regional dos Açores é o primeiro Governo Regional nos Açores. Está tentando traçar novas direcções para os Açores, enquanto está a tentar tratar dos problemas diários da governação. Após algum cepticismo inicial público, tem ganho apoio, particularmente depois devido à forte posição que tomou no 15 de Novembro.
PFEIFLE
CONFIDENCIAL”
“1. Sumário. A Junta Regional dos Açores foi criada em Agosto sem poderes definidos, desde essa altura desenvolveu-se num Governo Autónomo Popular. Fim de sumário.
2. A Junta foi criada após decreto em 21 Agosto com o fim de ser um governo de transição, encarregue ao mesmo tempo de escrever um Estatuto de Autonomia para os Açores, uma espécie de Constituição para um Governo Autonómico. O Decreto era vago, não concedia à Junta muitos poderes, ficando directamente dependente do Primeiro-Ministro. A Junta é composta por 7 pessoas, um Presidente, o Governador Militar dos Açores e seis membros, dois de cada um dos três distritos dos Açores. O General Magalhães, Governador Militar dos Açores, com base em recomendações feitas pelos Partidos políticos e outros, escolheu os seis membros, dando ao PPD quatro lugares e ao PS dois lugares, basicamente segundo os resultados das eleições. Há indicações que nem todas as primeiras escolhas aceitaram servir a Junta. Cada um dos seis membros está responsável por vários sectores de governo, de acordo com os seus interesses e experiência.
3. Membros
A. Presidente: Gen Altino Pinto de Magalhães é natural de Trás-os-Montes e chegou aos Açores ainda como um jovem oficial. Tornou-se Governador Militar em Janeiro de 75 e tem tido um papel político importante desde as manifestações de 6 de Junho. É fortemente anti-comunista e um moderado que simpatiza com as aspirações açorianas pela Autonomia, mas é contra a independência. O General orgulha-se das suas capacidades negociais e encanta [palavra é charms] a maioria das pessoas com quem fala, com a sua simplicidade e cordialidade. Embora nem todos concordem com as suas opiniões, é respeitado por todos pela sua integridade e capacidade de trabalho.
B. Dr. António de Albuquerque Jácome Correira, nomeado pelo PPD do distrito de Ponta Delgada, responsável pela Agricultura, Pescas e Indústria. Dr, Jácome Correia, que foi recentemente eleito vice-presidente da Junta, é Veterinário, com ligações à sociedade de São Miguel. É independente politicamente, com posições entre o CDS e o PPD. Nas outras ilhas criticam-no por pensar só em São Miguel.
C. Dr. Henrique de Aguiar Oliveira Rodrigues, membro do PPD, de Ponta Delgada, responsável pelos Assuntos Sociais, Saúde, Trabalho e Emprego e Emigração. O Dr. Aguiar é cardiologista nos seus trinta e muitos anos, que está a sacrificar a sua vida profissional para servir na Junta. Em contraste com o Dr. Jácome Correia, tem uma perspectiva geral dos problemas dos Açores.
D. Dr. José Adriano Borges de Carvalho, membro do PPD do distrito de Angra, responsável pelas Finanças e Coordenação Económica. José Adriano anunciou a sua retirada da Junta, um facto que a maioria atribui à sua imaturidade [tem 24 anos] e personalidade problemática. O PPD de Angra nomeará um substituto para o seu lugar.
E. Eng. Leonildo Garcia Vargas, membro do PS do distrito de Angra, responsável pela Administração Local, Pessoal e Ambiente. Vargas é Engenheiro Eléctrico e é considerado capaz e recatado que não impõe a posição socialista.
F. José Pacheco de Almeida, membro do PPD, do distrito da Horta, responsável pelo Turismo, Comércio, Transportes e Comunicações. Almeida, em muito um “selfmade”, tem a reputação na sua ilha de ser um lutador. Trabalhou no passado nas primeiras tentativas para criar um plano geral económico para o arquipélago.
G. José Martins Goulart, membro do PS, da Horta, responsável pela Educação, Investigação Científica, Cultura e Comunicação Social. Goulart tem 27 anos e passou sete anos em Universidades a estudar Engenharia Eléctrica. È o porta-voz dos socialistas na Junta. É controverso e admite ferver em pouca água [a palavra é “excitable”] e ser um mau político.
4. Como funciona?: O Decreto que estabeleceu a Junta diz que tem os poderes que o Governo da Republica delegar nela. Mas na verdade a Junta, desde o começo, assumiu cada vez mais responsabilidades para o governo dos Açores. Como disse um membro, a Junta consulta com o Governo quando este mostra-se cooperante, de outra forma a Junta decide e depois informa Lisboa. Os membros da Junta tomaram gradualmente a gerência de cada uma das áreas por que cada um é responsável, das Juntas Gerais de cada distrito que, antes, decidia directamente com Lisboa. A Junta tem várias reuniões por semana para discutir as políticas e os problemas que precisam da atenção geral. Porque a Junta tornou-se num Governo Regional, um problema sério surgiu: a Junta não tem nem pessoal, nem condições para operar convenientemente. Cada membro da Junta tem um assistente com quem partilha um escritório. Para além disso, há alguma assistência secretarial. Todos os membros afirmam não ter o tempo necessário para estudar os problemas que lhes são levantados, pelo que têm que tomar decisões rápidas. Estão tentando encontrar gente qualificada para servir como “secretários de Estado” para cada um dos sectores de Governo, de forma a permitir aos membros concentrarem-se nas políticas.
4. Recursos. O Governo Central deu à Junta quatro milhões de dólares, além do dinheiro já colocado à disposição dos Açores, que a Junta está a usar para uma série de projectos, sendo o mais espectacular a criação de uma Universidade dos Açores.
5. Autonomia: Está claro que a Junta acha-se um Governo Autónomo. Talvez a melhor forma de ilustração desse facto, será a forma como Goulart nos disse que quanto a Junta preparou a sua declaração de 15 de Novembro, rejeitou cuidadosamente qualquer linguagem que indicasse que a Junta estivesse sujeita ao Governo de Lisboa. Espera-se, nos próximos dias, que a Junta evolua para um Governo Autónomo, após deliberação ministerial.
6. Comentários: A Junta Regional dos Açores é o primeiro Governo Regional nos Açores. Está tentando traçar novas direcções para os Açores, enquanto está a tentar tratar dos problemas diários da governação. Após algum cepticismo inicial público, tem ganho apoio, particularmente depois devido à forte posição que tomou no 15 de Novembro.
PFEIFLE
CONFIDENCIAL”
5 comentários:
Estes eram aqueles que achavam os comunistas "bichos papões" e que "comiam criancinhas".
Caro Voto Branco,
A politização que se assistia na altura levava a esse tipo de exagero, que não é, definitivamente, exclusivo de um dos lados. Escusado será recordar, aliás ainda hoje há indícios disso [ver Louçã e Jerónimo] dos perigos mortais que o capitalismo acarreta. Aliás, a expressão "capitalismo selvagem", não é, de todo, inocente...
Caro Rui,
Já deve ter percebido que sou muito cepticista quanto à classe politica em Portugal.
Num comentário a outro post eu disse: "todos diferente, todos iguais", neste, eu acrescento "os opostos atraem-se"!
Interessante seria saber o que escreveram os 3 espiões da CIA que cá permaneceram 2 a 3 anos pós 1976
...pois, mas isso seria necessário uma deslocação aos arquivos da CIA e seria preciso saber antes se está disponível...
Na net, dos arquivos norte-americanos, há muito pouco sobre os Açores.
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